VIDA DE CÃO

Artigo publicado em 10.05.2001 no Monitor Mercantil.

Prof. Marcos Coimbra

Professor Titular de Economia na Universidade Candido Mendes, Professor na UERJ e Conselheiro da ESG

Faz algum tempo, um filme intitulado "Um dia de fúria", estrelado pelo ator Michael Douglas, teve sucesso. Narrava a história de um consumidor norte-americano que, atormentado por inúmeras adversidades diárias, atinge o limite de sua paciência, quando, ao tentar comprar algo no mcdonald's, chega um minuto atrasado e o atendente informa que a loja já fechou. A partir daí, perde o controle, tendo um ataque de fúria que o leva ao paroxismo. Arma-se e começa a cometer uma série de desatinos, até ser morto pela polícia. Lembra a vida do cidadão brasileiro, não só um dia, pois ele é torturado a cada momento, nos planos federal, estadual e municipal, onde as respectivas administrações, além de não cumprir com seu dever de promover o atendimento das necessidades coletivas, parece maquinar, a cada instante, novas perversidades para atazanar a vida dos contribuintes.

Na esfera municipal, a administração tomou posse, mas parece que não assumiu. A cidade está abandonada. As promessas de campanha não foram cumpridas, até agora. A denominada guarda municipal (EMUVIG-empresa municipal de vigilância) só aparece para multar. Na hora da necessidade desaparece. Seus integrantes, desarmados, recebem ordens da chefia para combater assaltos a mão armada. Evidentemente, ou andam armados irregularmente ou se omitem para não morrer. A cidade está infestada de ambulantes. Quando o cidadão escapa deles é atingido em cheio por jatos d'água vindos dos aparelhos de ar condicionado sem a devida proteção. As ruas estão imundas. Até o vereador eleito sob a bandeira de defesa dos animais consegue nomear sua esposa como secretaria municipal e vai trabalhar em São Paulo, participando de uma novela no SBT. E sua esposa, quando procurada, não é encontrada. É óbvio que também deve estar em São Paulo.

No âmbito estadual, a administração perdeu-se de vez. A segurança pública inexiste. Ao contrário, crescem as razões de insegurança da população. Criminosos de alta periculosidade mandam matar, de dentro dos presídios, seus desafetos,. Até ex-mulheres. Ninguém está a salvo. Só o governador que apenas se desloca com numerosa escolta policial, armada até os dentes, apesar de ele pregar o desarmamento dos cidadãos. Assaltantes invadem residências, estupram suas vítimas e são "suicidados" na prisão. Os marginais fazem falsos "bloqueios" nas ruas, de madrugada, extorquindo e matando. O conselho das autoridades é o de não reagir. O cidadão deve obedecer ao bandido, cooperar, deixar-se assaltar e rezar para não morrer. Se for chacinado a culpa é da sociedade. É apresentada como positiva a construção de um conjunto habitacional com 10.000 pessoas perto de Sepetiba, porém a comunidade local protesta, denunciando que não há infra-estrutura adequada para receber este contingente populacional, além da denúncia de que existe um grande número de marginais ocupando as unidades habitacionais, fato gerador de mais violência e insegurança na região.

No plano federal, o caos é completo. O escândalo do dia é denunciado por uma revista e envolve a Sudene e o ministro da Integração Nacional. O presidente FHC afirma que a culpa pela crise no setor energético não é de sua administração e sim das anteriores. Ao mesmo tempo, promete abandonar a estapafúrdia idéia de multar os consumidores, trocando-a pela promessa de incentivos a quem economizar. Lembra a fábula da choupana onde sobreviviam muitas pessoas, em precárias condições, que reclamam melhorias e são atendidas pelas autoridades com a ida de um bode para também viver na habitação. É lógico que a situação se agrava e as pessoas ficam satisfeitas ao pedir a remoção do animal e serem atendidas, esquecendo das reclamações originais. Verificando o orçamento do ano passado, o fato é o de que apenas foram investidos R$ 3 bilhões na geração e transmissão de energia. A média anual nos últimos anos foi de apenas R$ 6 bilhões, quando a média anual deveria ter sido de R$ 10 bilhões.

No ano passado, o perigo da necessidade de um racionamento foi denunciado nas páginas deste jornal, por vários articulistas, principalmente pelo Prof. Joaquim F. de Carvalho. Em sua febre de privatização, a atual administração FHC está tentando "doar" Furnas há dois anos. Em conseqüência, praticamente cessaram os investimentos públicos na geração e transmissão. O setor privado estrangeiro só tem interesse em adquirir o que já está pronto e amortizado. Não quer construir algo de novo, para aumentar a oferta de energia. O setor privado nacional não possui recursos para entrar no setor. A saída é evidente. Cabe ao setor público investir maciçamente na infra-estrutura energética. Existem recursos de sobra. Basta diminuir o pagamento de juros extorsivos aos banqueiros estrangeiros e nacionais. Furnas deve ser ser fortalecida, mantida como empresa pública e a Eletrobrás responsabilizada pela administração do setor. Nada de empresa privada para cuidar do que é público. A experiência da Califórnia é reveladora. Quando entregaram o estratégico setor à iniciativa privada, os preços dispararam e os apagões começaram a tornar-se freqüentes. Enquanto a responsabilidade, em outros estados, é do Exército norte-americano, e tudo funciona a contento. E um norte-americano médio consome seis vezes mais do que um brasileiro. E ainda surge a mal explicada história de um chefe da carceragem da polícia federal em Brasília, rendido por uma arma falsa, feita de sabonete e madeira, que permite a um perigoso bandido, torturador de menores, conseguir das autoridades impor suas exigências. Apenas fracassou porque o sistema penal do Paraná recusou o indesejado hóspede.

Até quando o bravo povo brasileiro vai aturar tudo isto? Já é hora de colocar os vendilhões da Pátria em seu devido lugar e voltar a ter uma administração séria, honrada, compromissada com as aspirações nacionais, capaz de proporcionar melhores condições de vida aos seus filhos e de elevar o Brasil ao seu legítimo lugar no patamar das nações mais desenvolvidas do mundo.

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