UMA CLASSE EM EXTINÇÃO
Prof. Marcos Coimbra
Membro do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos, Professor aposentado de Economia junto à UERJ e Conselheiro da ESG.
Artigo publicado em 15.02.2007 no Monitor Mercantil.
Em todas as sociedades, a classe média sempre desempenhou importantes papéis. Dentre eles, o de funcionar como amortecedor das tensões normalmente existentes entre as classes mais favorecidas e menos favorecidas, operando como veículo de mobilidade social. Infelizmente, no Brasil hodierno ela encontra-se em vias de extinção. Conversando recentemente com um líder comunitário de uma das mais carentes comunidades cariocas, recebemos uma lição de sobrevivência. Visitamos o centro de saúde, possuidor até de atendimento odontológico, tudo cobrado a preços módicos. Escola da associação organizada, limpa, segura, com computadores. Centro de preparação de mão-de-obra, com cursos de informática e de idiomas estrangeiros. Percorremos quase toda a comunidade e não vimos ninguém armado, nem drogado. Poder público ausente, como sempre.
Percebendo a nossa perplexidade, sorriu e disse que tudo aquilo era fruto do trabalho político da liderança local que, usando a perspectiva de propiciar uma expressiva votação nos pleitos eleitorais, conseguia o apoio de políticos influentes, capazes de obter tudo aquilo que havia. Informou ainda que possuíam TV a cabo, por um custo dez vezes menor do que o pago por nós. As contas de energia, água etc. eram também irrisórias. Acrescentou ainda que não compreendia como nós, do asfalto, não conseguíamos reivindicar nossos direitos e agir em grupo como eles, aceitando passivamente as freqüentes extorsões a que somos submetidos, vitimados por autoridades corruptas ou por bandidos sanguinários. Tivemos que aceitar a verdade de suas assertivas.
De fato, a classe média não possui nem mais compreensão do que está acontecendo. Caminhando como boi para o matadouro. As classes mais favorecidas manipulam os meios de comunicação, elegem seus representantes e praticam uma moderna forma de escravatura. As categorias menos favorecidas agrupam-se, lutam por seus direitos, elegem seus próprios representantes e vão conseguindo melhorar sua qualidade de vida, felizmente. Conhecemos várias pessoas que recebem o salário família, apesar de possuírem renda familiar superior a R$ 1.500,00, informal, para três pessoas. Os cidadãos estão acostumando-se a receber o óbolo governamental e a operar na informalidade, para continuar a usufruir das benesses eleitoreiras.
E a classe média continua a ficar hipnotizada diante da TV perdendo tempo com novelas e com “programas da realidade”. A propósito, na semana passada, no principal jornal da TV, foi apresentada uma reportagem sobre o aumento da criminalidade do Rio de Janeiro. E os apresentadores veiculavam uma tese curiosa. A de que a responsabilidade do fato era do crescimento da atuação das milícias, pois sua ação afetava o faturamento do narcotráfico, levando-o a incrementar assaltos, seqüestros e outros atos criminosos. Não acreditamos que a solução insinuada seria a de que era melhor acabar com as milícias, pois assim os narcotraficantes manteriam sua taxa de lucro e não incrementariam suas agressões contra nós, os cidadãos. Mas que pareceu, pareceu. Aliás, é a mesma “solução” apresentada por ONGs ricas, poderosas, famosas por defender os direitos humanos de bandidos e prosseguir em sua cruzada hoplófoba de desarmar os cidadãos, a polícia e as Forças Armadas. Comenta-se até que elas possuem influência significativa no comando da segurança pública do Estado do Rio. Será verdade?
Mas a verdade verdadeira é representada pela omissão das autoridades estaduais no atendimento às necessidades coletivas da população, em especial da segurança. O país está traumatizado com os atos bárbaros praticados por facínoras contra a população, que atingiu seu ápice no assassinato, inqualificável, do menor, este sim vítima, esquartejado durante 7 km, através de quatro bairros da nossa cidade. Após o desenlace, a sucessão de justificativas vãs das autoridades (?), que afirmaram haver necessidade de aumento do policiamento preventivo, o qual será obtido principalmente com o retorno de milhares de policiais desviados de suas funções. Pergunta óbvia: por que já não o fizeram? Chega de falação politicamente correta! A Força Nacional de Segurança (FNS) continua aquartelada, somente saindo em operação com a escolta da PM. E, três dias depois, a 10 km do lugar onde a criança foi atacada, outro cidadão é assassinado, vítima também de um assalto a automóveis, diante de sua família.
Meu Deus, até que ponto vamos aturar isto, fingindo que está tudo normal? Quem são os (ir)responsáveis? Se são incompetentes, peçam o boné e recolham-se, abrindo espaço para quem tenha conhecimento, coragem e habilidade para dar fim a este descalabro.
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