TRAGÉDIA NUNCA PREVISTA

Artigo publicado em 25.07.2002 no Monitor Mercantil.

Prof. Marcos Coimbra

Professor Titular de Economia junto à Universidade Candido Mendes, Professor na UERJ e Conselheiro da ESG.

 

       Se alguém estivesse adormecido há vinte anos e despertasse hoje, não acreditaria no que está ocorrendo. A deterioração generalizada diagnosticada nas cinco expressões do Poder Nacional. Nunca sequer seria imaginada pelo mais pessimista dos analistas. De país candidato a ser uma grande potência, passamos ao vestibular para o ingresso no bloco das províncias da potência hegemônica.

       Na expressão política, todos os quatro principais candidatos à presidência da República representam a continuação do perverso modelo econômico imposto pelos “donos do mundo”. Chega ao desplante de um grande especulador estrangeiro, Sr. George Soros, determinar quem pode ser eleito. Seu recado foi bastante claro. Só será eleito aquele que se comprometer a continuar a implantar o receituário recomendado pelo sistema financeiro internacional. Exigem inclusive o compromisso de todos os candidatos no sentido de aquiescência às regras do Fundo Monetário Internacional (FMI), sob ameaça de desestabilizar o país. E a classe política, sem qualquer pudor, aceita tudo, sem resistir. Até o partido dito como de oposição dobra-se a tudo, inclusive ao mecanismo do voto eletrônico, vulnerável a manipulações feitas pelos detentores da tecnologia do processo. A presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fica estrategicamente nas mãos do denominado “líder da bancada do governo” no Supremo Tribunal Federal (STF). As alianças mais espúrias são feitas, em todos os Estados, objetivando conquistar o poder no âmbito estadual. A corrupção campeia em todos os níveis. Algumas categorias estão sem reajuste  há oito anos, como os funcionários do Banco do Brasil, enquanto outras, como os integrantes do Judiciário, concedem-se generosos aumentos, com efeito retroativo. O absurdo mecanismo de indicação política dos membros do STF continua a sobreviver, anunciando-se para breve a possível renúncia de mais um de seus integrantes, para ser escolhido em seu lugar mais um membro da bancada de FHC.

       Na expressão econômica, como tínhamos anunciado,  a privatização tira sua última máscara e mostra que, na realidade, caracteriza-se pela desnacionalização. O exemplo gritante e triste é o da CSN. De símbolo do nacionalismo, construída pela capacidade empreendedora do Estado, pagando o preço do ingresso do Brasil na 2ª Guerra Mundial, com centenas de feridos e mortos, passa ao controle de uma multinacional, com sede no Resto do Mundo. A propalada estabilidade do Real, em sua existência, joga o poder de compra do assalariado para menos da metade do que era em 1994. Os preços acima da média são justamente os dos setores privatizados, com preços administrados pela administração FHC, através de arremedos de empresas controladoras, criadas de inopino, sem preparação, mais interessadas em beneficiar as empresas estrangeiras detentoras de verdadeiros monopólios e oligopólios do que em proteger o consumidor. A inadimplência aumenta assustadoramente, não porque o povo brasileiro seja mau pagador, mas sim devido ao brutal arrocho salarial, acompanhado da elevação dos preços dos bens e serviços consumidos, com a conseqüente perda do poder de compra. E a solução é inscrever no SPC os pobres dos cidadãos, em sua maioria de classe média. Os mais pobres, que habitam, por exemplo, em favelas, não são atingidos. pois lá as leis são outras. A dívida pública mobiliária federal ultrapassa  os R$ 650 bilhões e a dívida externa, cerca de US$ 210 bilhões. Mas o pior é o valor dos juros pagos à banca internacional, garantidos pela perversa Lei de Responsabilidade Fiscal: R$ 120 bilhões e US$ 15 bilhões, respectivamente.

       Na expressão científica e tecnológica, o país continua a investir menos de 1% do seu Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa. O Brasil fica cada vez mais dependente. O ministro da área assina um absurdo acordo com os EUA, relativo à base de lançamento de Alcântara, a pretexto de que não há recursos próprios para o aproveitamento do complexo, pretendendo abdicar da Soberania Nacional. Mas para pagar juros, há recursos de sobra. O Congresso ainda resiste, pressionado pela opinião pública, mas o poder de coação  dos grupos interessados é enorme.

       Na expressão psicossocial, o ministro da Justiça pede demissão, porque o que tinha sido acertado com o próprio Sr. FHC, no tocante à intervenção em um Estado da Federação, é descumprido. Dizem que a verdadeira razão é a de que não pode ser votada emenda constitucional, quando existe intervenção em um Estado e a administração FHC quer transformar o Banco Central em uma instituição independente, justamente por intermédio de emenda constitucional. A violência assola o país, atingindo as principais cidades. Os narcotraficantes começam a criar “áreas liberadas”, a comprar armamento pesado, enquanto as autoridades estão preocupadas em desarmar o cidadão honesto, digno e de bons costumes, esquecendo que, um dia, vão deixar de ter os seus atuais seguranças, de graça, fornecidos pelo Poder Público. A saúde pública demonstra sua precariedade. Doenças antes erradicadas retornam violentamente. Até a hanseníase. A educação pública também expõe sua fragilidade. Os resultados dos estudantes brasileiros em provas internacionais colocam-nos nos últimos lugares do mundo.

       Na expressão militar, o inacreditável acontece. Em nota oficial, o Exército Brasileiro anuncia a desincorporação de 44.000 recrutas meses antes do previsto, além do adiamento da incorporação de novos recrutas. O presidente da República apressa-se em assinar o decreto formalizando a tragédia. As Forças Armadas só recebem cerca de R$ 3 bilhões do que deveriam receber (R$ 5 bilhões).Faltam recursos para garantir a Segurança Nacional. Mas existem recursos para criar uma guarda fardada na polícia federal com cerca de 6.000 homens. E há recursos para pagar os juros das dívidas.

       Urge que medidas imediatas e corajosas sejam adotadas por quem de direito. Nossa geração não deve ser reconhecida na História do Brasil como constituída de omissos, covardes ou levianos.    

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