TRAGÉDIA
NÃO PREVISTA
Artigo publicado em 07.2002 no Vila em Foco.
Prof. Marcos Coimbra
Professor Titular de Economia junto à Universidade
Candido Mendes, Professor na UERJ e Conselheiro da ESG.
Se alguém
estivesse adormecido há vinte anos e despertasse hoje, não acreditaria no que está
ocorrendo. A deterioração generalizada diagnosticada nas cinco expressões do
Poder Nacional. Nunca sequer seria imaginada pelo mais pessimista dos
analistas. De país candidato a ser uma grande potência, passamos ao vestibular
para o ingresso no bloco das províncias da potência hegemônica.
Na expressão
política, todos os quatro principais candidatos à presidência da República
representam a continuação do perverso modelo econômico imposto pelos “donos do
mundo”. Chega ao desplante de um grande especulador estrangeiro, Sr. George
Soros, determinar quem pode ser eleito. Seu recado foi bastante claro. Só será
eleito aquele que se comprometer a continuar a implantar o receituário
recomendado pelo sistema financeiro internacional. Exigem inclusive o compromisso
de todos os candidatos no sentido de aquiescência às regras do Fundo Monetário
Internacional (FMI), sob ameaça de desestabilizar o país. E a classe política,
sem qualquer pudor, aceita tudo, sem resistir. Até o partido dito como de
oposição dobra-se a tudo, inclusive ao mecanismo do voto eletrônico, vulnerável
a manipulações feitas pelos detentores da tecnologia do processo. A presidência
do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fica estrategicamente nas mãos do
denominado “líder da bancada do governo” no Supremo Tribunal Federal (STF). As
alianças mais espúrias são feitas, em todos os Estados, objetivando conquistar
o poder no âmbito estadual. A corrupção campeia em todos os níveis. Algumas
categorias estão sem reajuste há oito
anos, como os funcionários do Banco do Brasil, enquanto outras, como os
integrantes do Judiciário, concedem-se generosos aumentos, com efeito
retroativo. O absurdo mecanismo de indicação política dos membros do STF
continua a sobreviver, anunciando-se para breve a possível renúncia de mais um
de seus integrantes, para ser escolhido em seu lugar mais um membro da bancada
de FHC.
Na expressão
econômica, como tínhamos anunciado, a
privatização tira sua última máscara e mostra que, na realidade, caracteriza-se
pela desnacionalização. O exemplo gritante e triste é o da CSN. De símbolo do
nacionalismo, construída pela capacidade empreendedora do Estado, pagando o
preço do ingresso do Brasil na 2ª Guerra Mundial, com centenas de feridos e
mortos, passa ao controle de uma multinacional, com sede no Resto do Mundo. A
propalada estabilidade do Real, em sua existência, joga o poder de compra do
assalariado para menos da metade do que era em 1994. Os preços acima da média
são justamente os dos setores privatizados, com preços administrados pela administração
FHC, através de arremedos de empresas controladoras, criadas de inopino, sem
preparação, mais interessadas em beneficiar as empresas estrangeiras detentoras
de verdadeiros monopólios e oligopólios do que em proteger o consumidor. A
inadimplência aumenta assustadoramente, não porque o povo brasileiro seja mau
pagador, mas sim devido ao brutal arrocho salarial, acompanhado da elevação dos
preços dos bens e serviços consumidos, com a conseqüente perda do poder de
compra. E a solução é inscrever no SPC os pobres dos cidadãos, em sua maioria
de classe média. Os mais pobres, que habitam, por exemplo, em favelas, não são
atingidos. pois lá as leis são outras. A dívida pública mobiliária federal
ultrapassa os R$ 650 bilhões e a dívida
externa, cerca de US$ 210 bilhões. Mas o pior é o valor dos juros pagos à banca
internacional, garantidos pela perversa Lei de Responsabilidade Fiscal: R$ 120
bilhões e US$ 15 bilhões, respectivamente.
Na expressão
científica e tecnológica, o país continua a investir menos de 1% do seu Produto
Interno Bruto (PIB) em pesquisa. O Brasil fica cada vez mais dependente. O
ministro da área assina um absurdo acordo com os EUA, relativo à base de
lançamento de Alcântara, a pretexto de que não há recursos próprios para o
aproveitamento do complexo, pretendendo abdicar da Soberania Nacional. Mas para
pagar juros, há recursos de sobra. O Congresso ainda resiste, pressionado pela
opinião pública, mas o poder de coação
dos grupos interessados é enorme.
Na expressão
psicossocial, o ministro da Justiça pede demissão, porque o que tinha sido
acertado com o próprio Sr. FHC, no tocante à intervenção em um Estado da
Federação, é descumprido. Dizem que a verdadeira razão é a de que não pode ser
votada emenda constitucional, quando existe intervenção em um Estado e a
administração FHC quer transformar o Banco Central em uma instituição
independente, justamente por intermédio de emenda constitucional. A violência
assola o país, atingindo as principais cidades. Os narcotraficantes começam a
criar “áreas liberadas”, a comprar armamento pesado, enquanto as autoridades
estão preocupadas em desarmar o cidadão honesto, digno e de bons costumes,
esquecendo que, um dia, vão deixar de ter os seus atuais seguranças, de graça,
fornecidos pelo Poder Público. A saúde pública demonstra sua precariedade.
Doenças antes erradicadas retornam violentamente. Até a hanseníase. A educação
pública também expõe sua fragilidade. Os resultados dos estudantes brasileiros
em provas internacionais colocam-nos nos últimos lugares do mundo.
Na expressão
militar, o inacreditável acontece. Em nota oficial, o Exército Brasileiro
anuncia a desincorporação de 44.000 recrutas meses antes do previsto, além do
adiamento da incorporação de novos recrutas. O presidente da República apressa-se
em assinar o decreto formalizando a tragédia. As Forças Armadas só recebem
cerca de R$ 3 bilhões do que deveriam receber (R$ 5 bilhões).Faltam recursos
para garantir a Segurança Nacional. Mas existem recursos para criar uma guarda
fardada na polícia federal com cerca de 6.000 homens. E há recursos para pagar
os juros das dívidas.
Urge que
medidas imediatas e corajosas sejam adotadas por quem de direito. Nossa geração
não deve ser reconhecida na História do Brasil como constituída de omissos,
covardes ou levianos.
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