SAÚDE: DIREITO DE TODOS E DEVER DO ESTADO

Artigo publicado no Monitor Mercantil em 27.09.2001.              

 

Prof. Marcos Coimbra

Professor Titular de Economia junto à Universidade Candido Mendes, Professor na UERJ e Conselheiro da ESG

                   Os países mais desenvolvidos, na década de 50, aplicavam em gastos com assistência à saúde cerca de 3% do PIB. Agora,  alguns desses países têm 16 % de seu PIB  investidos em  assistência à saúde. E isto considerando-se ter havido a progressiva desaceleração do crescimento populacional nesses mesmos países. Nosso sistema de saúde possui vários paradoxos. O primeiro, gerencial: improvisam-se gerentes para decidir em organizações complexas, do posto de saúde ao ministério da Saúde. O segundo, organizacional: descentralização centralizante, com o espectro do INAMPS renascendo nas secretarias estaduais ou municipais de saúde. O terceiro, econômico: carência de recursos em paralelo a enormes desperdícios. Falta de pessoal, com profissionais desmotivados, descomprometidos. Falta de recursos materiais ou financeiros com desvios e desperdícios. O quarto, assistencial: resolutividade do ato médico entendido apenas nos estágios avançados de organização da saúde. Não existe promoção da saúde e a prevenção está reduzida à vacinação. O diagnóstico e tratamento constituem a verdadeira medicina, praticada nas enfermarias, nas UTIs e no Centro Cirúrgico. A reabilitação é desprezada.

                   A saúde é talvez o bem mais precioso que um ser  humano possui. De nada adianta ter riquezas incomensuráveis, se  a pessoa padece de enfermidades sem cura. A assistência médica é proporcional principalmente ao volume de recursos possuídos pelo indivíduo e seus próximos, em termos particulares. É óbvio que, quanto mais ricos, melhores serão suas condições de atendimento. Contudo, se o cidadão não é rico, ele depende da assistência médica prestada pelo setor público. Como ela, no momento, não é de boa qualidade, de um modo geral, as pessoas, que podem, recorrem a empresas particulares, pagando vultosas mensalidades, para tentar obter uma assistência médica digna. E quase sempre não conseguem alcançar seus objetivos. Geralmente, o atendimento deixa a desejar. E  os cidadãos que não possuem recursos para pagar planos privados? Dependem apenas da assistência médica propiciada pelo setor público, direito garantido pela Constituição. Antigamente, ela era de boa qualidade, atendendo satisfatoriamente a todos. Contudo, com o correr do tempo, ela foi se deteriorando, devido a insuficientes recursos canalizados pelas administrações federal, estadual e municipal ao importante setor. 

                                      No instante, temos no comando do ministério da Saúde um economista que nada entende do ramo. Apenas vale o "humor ferino" de que o economista "mata no atacado" e o médico "mata no varejo". O  Brasil aplica só cerca de 2% do PIB em assistência à saúde, enquanto gasta 10% do PIB em juros. A nossa Constituição prescreve que a saúde, ou melhor, a assistência médica,  é dever do Estado e direito de todos, bem como a necessidade de um eficaz saneamento básico, pois é fato conhecido de todos que um real investido na prevenção poupa  muitos reais consumidos na medicina curativa. E nosso diagnóstico, como economista, é assustador. O cidadão paga tributos a nível federal, estadual e municipal para que o Setor Público cumpra sua missão. E, infelizmente, constatamos reinar o caos na área. Há hospitais federais, estaduais e municipais com tarefas e regiões superpostas e a população cada vez mais abandonada.

                   Como já vimos, recursos existem, se bem que insuficientes. Só em CPMF, no ano de 2001, a arrecadação deverá ser da ordem de R$ 17 bilhões. Mas não chegam ao destino final, sendo desviados para outras funções ou mal geridos, provocando desperdícios ou sendo desviados nas redes de corrupção. E a população, insegura, corre atrás de planos de medicina de grupo ou seguro-saúde, alguns revelando-se verdadeiras "arapucas" e a maior parte apenas interessada em maximizar seus lucros e não com atendimento digno ao segurado. A maioria dos profissionais de saúde, na área pública, é mal remunerada, apesar de sua capacidade, enquanto uma minoria, composta de "marajás" do setor privado, enriquece numa associação espúria, canalizando pacientes para suas clínicas particulares, desde que os rendimentos sejam elevados e deixando o paciente       de alto custo na rede pública, muitos dos quais associados destes famigerados planos, sem que haja ressarcimento ao Estado dos custos do tratamento.

                   A solução passa pela clara delimitação de responsabilidades, com adequados orçamentos, pelas três esferas de poder. A nível federal, a responsabilidade pelo saneamento básico, pela prevenção das endemias, pela coordenação geral das atividades médicas empreendidas pelos estados e municípios. Na esfera estadual, o dever de manter hospitais de maior especificidade para atender aos problemas crônicos, de maior nível de especialização, demandando internações maiores. Aos municípios, além do reforço às funções anteriores, a responsabilidade pelo atendimento ambulatorial, a triagem, o restabelecimento do médico de família. Todos os profissionais bem remunerados, com treinamento adequado, recursos compatíveis, instalações dignas e o tratamento indicado assegurado (inclusive medicamentos e exames). Todo paciente com o direito de ser dignamente atendido, com o ressarcimento pelos planos particulares dos tratamentos efetuados, quando o paciente for associado a um deles. Assim, haverá recursos e todos serão atendidos pela rede pública dignamente. Quem tiver recursos de sobra, e assim o desejar, que procure os "medalhões". Na medicina verdadeira não há lugar para o mercantilismo. Quem o quiser, que deixe de exercer a nobre profissão e abra um cassino.

                   Agora, percebe-se claramente o progressivo sucateamento da rede pública, o desprezo por seus profissionais, numa clara preparação da privatização total do setor. Os planos particulares já possuem mais de 40 milhões de associados. Falta-lhes apenas os hospitais. E o planejamento dos "mercantilistas" da saúde é justamente este. Tornar os hospitais públicos inviáveis para comprá-los a preços vis, tornando-se assim possuidores deste vasto patrimônio, construído com recursos de toda a população que, como sempre, será esbulhada.

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