REFLEXÕES SOBRE AS OLÍMPIADAS NO RIO-2016
Prof. Marcos Coimbra
Conselheiro Diretor do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (CEBRES), Professor de Economia e Autor do livro Brasil Soberano
(Artigo publicado em 22.10.09 Monitor Mercantil).
A imprensa noticia que relatório do banco Morgan Stanley, de agosto do ano passado, sobre os jogos em Pequim, fala em “maldição olímpica” nos países que sediam a competição. De 11 casos analisados desde 1956, apenas os Estados Unidos, com Atlanta, em 1996, não tiveram um desaquecimento da Economia no ano seguinte. A explicação reside no fato de que há um excesso de expectativas quanto ao crescimento do local sede. Depois do evento, os recursos migram para outros países.
Na China, em meados de junho de 2006, a imprensa chinesa noticiou que o vice-prefeito de Pequim desde 1998 e diretor do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Pequim, responsável pela supervisão das obras de construção e reforma dos 31 estádios e campos (14 novos) para a competição, havia sido afastado de suas funções por “corrupção e falta de determinação”. Também o seu vice e o presidente da Capital Land, a maior incorporadora e empreendedora de imóveis da capital, haviam sumido de circulação. De fato, eles estavam sendo investigados por tentarem ganhar dinheiro de construtoras no pacote de US$ 16 bilhões de obras de infra-estrutura que a cidade recebeu para se preparar para os Jogos Olímpicos de 2008.
Segundo o Prof. Richard Baum, diretor do Centro de Estudos da China da Universidade da Califórnia: “Os Jogos Olímpicos são um momento excelente para exibir a capacidade de organização e a imagem de um país. Mas também podem ser um ótimo momento para enriquecer ilicitamente uma elite”. Em Pequim, houve uma boa fiscalização e transparência e as autoridades conseguiram manter sob controle a aplicação do dinheiro, apesar do surgimento de denúncias de desvios, que levaram ao corredor da morte alguns delinquentes. Lá a corrupção pode levar à execução letal.
O saldo foi positivo para Pequim. A cidade ganhou quatro linhas de metrô e um aeroporto internacional. Fábricas poluidoras foram deslocadas para os subúrbios ou para outras províncias. O aparato de segurança foi impecável. Treze estádios foram construídos e dezoito reformados. A iluminação pública foi melhorada e tornou-se mais econômica. Obras de infra-estrutura e saneamento prepararam todo o Norte da cidade para receber o Parque Olímpico. A cidade ganhou uma malha viária capaz de desafogar o trânsito dos anéis e permitiu a instalação de corredores de ônibus. Milhões de árvores foram plantadas no entorno de Pequim. O Grande Teatro Nacional foi construído perto da Praça da Paz Celestial para abrigar os mais importantes eventos culturais do país. Foi realizado um eficaz treinamento de mão-de-obra, até de etiqueta. A fiscalização sanitária foi reforçada. Houve ainda o Projeto 119, com o objetivo de fazer brilhar a participação da China nas Olimpíadas, tendo sido este número escolhido por ser este o número de medalhas de ouro relacionadas a esportes individuais escolhido pelas autoridades chinesas para receber investimento maciço. E o resultado foi a China ter liderado o quadro de medalhas.
Como será no Rio? O governador Sérgio Cabral Filho anunciou que o estado receberá, em apenas cinco anos, US$ 50 bilhões (cerca de R$ 90 bilhões) de investimentos, quantia superior aos US$ 43 bilhões que a China investiu em sete anos. Assim a desculpa por um eventual fracasso não será falta de recursos. Um esforço hercúleo deverá ser feito para não frustrar as expectativas despertadas. Analisando as últimas notícias: denúncias do governador de Tóquio sobre a lisura do processo de escolha; o repúdio da população de Chicago à possibilidade de vitória, sob a alegação de que haveria corrupção por parte das autoridades municipais; atraso de 70% nos vôos do Galeão; 52% das partidas suspensas no Santos Dumont; deslizamento com mortes na Região Serrana; vagões incendiados na SuperVia; quebra-quebra nas Barcas; composições descarriladas nas linhas do Metrô; trânsito caótico; ruas esburacadas; população de rua agressiva; pivetes assaltando nas ruas e praças; prédios invadidos por quadrilhas de traficantes; melhor colocação do Brasil até hoje no quadro de medalhas foi o 16% lugar; em Pequim, conseguimos apenas 15 medalhas no total; até hoje as contas dos jogos Pan-Americanos não foram aprovadas, estando vários executivos sob forte suspeição; gastos que atingiram até nove vezes o valor inicial orçado; promessas não cumpridas; escassa herança para a cidade de obras prometidas etc., fica difícil acreditar no sucesso almejado. Ainda mais agora, quando um helicóptero da polícia militar é abatido pelo fogo antiaéreo dos narcotraficantes.
A amostragem não foi boa. A comitiva oficial anunciada foi de mais de setenta autoridades e personalidades, mas havia centenas de convidados na cerimônia de anúncio da cidade vencedora. O governador e o prefeito já estão viajando de novo e, pelo visto, não vão parar tão cedo. O Ministério Público Federal (MPF) abriu inquérito para apurar por que não foram realizadas licitações para contratar empresas que elaboraram o projeto, financiado com dinheiro público, apresentado ao Comitê Olímpico Internacional (COI) pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB). A maior parte dos cerca de R$ 48 milhões gastos foi repassada ao COB pelo ministério dos Esportes.
O COB contratou os serviços por critérios próprios. Em um dos convênios o ministério repassou ao COB R$ 17 milhões para a contratação de uma empresa de consultoria internacional. Os gastos com os serviços de assessoria de imprensa foram da ordem de R$ 916 mil por cerca de um ano. A empresa vencedora foi a mesma que já prestou serviços para o COB nos Jogos Pan-Americanos. O COB recebeu R$ 407 mil (aluguel de carros, helicópteros, hotéis e outros) para arcar com os custos da visita de integrantes de federações internacionais de esporte para vistoria das instalações. Foi contratada uma empresa de aluguel de veículos que cobrou R$ 390,00 a diária, enquanto nos dias de hoje outra empresa faria por R$ 280,00 o mesmo serviço. Também foi contratada uma empresa de táxi aéreo por R$ 3.173,00 a hora para cinco passageiros, enquanto foi informado pela mesma empresa, na semana passada, que ela cobra o valor de R$ 2.700,00, há um ano, para o mesmo serviço.
É estranho que a principal desculpa para a não prestação de serviços essenciais à população carioca é a falta de recursos, em especial para a infra-estrutura econômico-social. Ora, se existem recursos disponíveis desta ordem para investimento nas Olimpíadas de 2016, por que este volume já não foi aplicado antes para a melhoria das condições de vida do carioca? É preciso haver as Olimpíadas para motivar as autoridades? E não vale a justificativa de que os custos serão amortizados pelas receitas geradas, pois isto não acontecerá. E a ilusão vendida de que o país ficará posicionado entre os dez melhores no quadro de medalhas parece uma utopia, incapaz de justificar esta luta ciclópica pela vitória.
Também suspeito é o fato de que estão sendo anunciados investimentos nos próximos sete anos na área esportiva internacional, referentes à Copa do Mundo em 2014 e aos Jogos Olímpicos de 2016, no valor de R$ 130 bilhões, pois comparando-se com os R$ 116 bilhões desembolsados pela administração Lula para investimentos em todos os setores da economia entre 2003 e 2009, é fácil ver que algo está errado.
Infelizmente, sabemos quem vai usufruir benesses de toda sorte, bem como quem pagará. Fortunas gigantescas serão aumentadas, bem como novas surgirão.
Esperamos que a cidade e o povo carioca também sejam realmente beneficiados.
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