RAZÕES PARA NÃO POSSUIR UM AUTOMÓVEL

Prof. Marcos Coimbra

Conselheiro-Diretor do CEBRES, Professor de Economia e Autor do livro Brasil Soberano.

(Artigo publicado em 08.04.10 no MM).

         Ao escrevermos este artigo, lemos mais uma notícia sobre um novo recorde na venda de automóveis no mês de março. Este fato provoca uma longa reflexão.

         De início, a mídia amestrada bate o bumbo realçando a pujança do setor automobilístico “nacional”, como indicador positivo. Ora, o Brasil infelizmente não tem mais sequer uma empresa verdadeiramente brasileira no segmento. As únicas existentes, a Fábrica Nacional de Motores (FNM) e a  Gurgel,  foram levadas à falência, justamente pela concorrência predatória das multinacionais estrangeiras. Existem  montadoras estrangeiras, com poder político de usufruir benesses, como isenções privilegiadas de toda ordem, a exemplo da recém concedida no relativo ao IPI, tendo um representante do setor no ministério atual. As principais peças, as mais caras, possuidoras de maior valor agregado, são importadas do exterior. Então, é necessário colocar a situação em seus devidos termos.

         Ao comprar um veículo, após a euforia inicial do consumismo, surgem obrigações de toda ordem. Para sair da revendedora, é importante fazer o seguro total, além do obrigatório. O vendedor procura “empurrar” toda uma série de “opcionais”, capazes de encarecer sobremodo o valor total inicial. Tenta ainda convencer o “feliz” comprador a usar os serviços do despachante ligado à revendedora, o qual cobra o dobro do valor pago pelo consumidor não preguiçoso, capaz de legalizar sozinho o automóvel.

         Isto é o mínimo para um comprador com recursos para comprar o bem à vista. Como em geral ele apresenta como entrada o carro usado, este normalmente é subavaliado, ficando o valor ao sabor dos interesses da revendedora. Por experiência pessoal, constatamos que a variação de uma empresa para outra chega a ultrapassar mil reais. Caso o comprador tenha que utilizar o financiamento oferecido pela montadora, será mais extorquido. Cada montadora possui agora o seu “banco” e os vendedores embutem taxas extras, disfarçadamente, no valor total da fatura, que passam despercebidos para os consumidores menos avisados.

         A “via crucis” está apenas começando. Em seguida, começa a série de revisões, pagas a peso de ouro, nas denominadas autorizadas, com o artifício de oferecimento de “garantias e vantagens”. Em geral, a cada revisão surge um problema adicional, resultando em acréscimo ponderável dos valores cobrados. Como os carros produzidos para o mercado interno, de um  modo geral, são de qualidade inferior aos mesmos veículos exportados pelas mesmas montadoras, é interessante saber que é conveniente trocar de veículo a cada três anos.

         Atualmente, então, locomover-se de automóvel, além dos efeitos negativos para o meio ambiente, provocados pelo grande aumento de veículos licenciados e pelas condições precárias de fabricação, é altamente danoso ao bolso. É IPVA (no Rio de Janeiro 4%, o dobro do normal), CIDE,  vistorias obrigatórias de toda ordem, chegando ao extremo de reprovação de um veiculo zero quilometro em função de emissão de gazes, fora dos “padrões” impostos por critérios discutíveis. Combustível cada vez mais caro. A indústria de multas funciona a pleno vapor. Vide exemplo dos JARIs do Rio de Janeiro. E aí vai.

          Pedágios cada vez mais numerosos e extorsivos, cercando o contribuinte por todos os lados. Barreiras policiais nas ruas e estradas, com o objetivo de obter dinheiro do contribuinte, a pretextos vários, ou para os cofres públicos ou para os bolsos dos fiscalizadores. Com a lei seca, então, o contribuinte não pode mais ingerir uma bebida alcoólica mesmo a nível modesto, sem ser multado, com risco de ser preso. É obrigado a andar de táxi ou de carona, justamente nos fins de semana, quando quer relaxar. Por que ter um automóvel se não pode ser usado, justamente quando é mais necessário?

         O trânsito é caótico. As ruas e estradas em péssimas condições, levando o motorista a levar tempo cada vez maior no deslocamento . Chega-se a demorar quase metade do tempo de uma jornada normal de trabalho de oito horas no transporte.

         Como as administrações públicas não investem o necessário em transporte de massa, o cidadão é levado a usar o transporte individual, pois as opções são inviáveis. O transporte rodoviário é sofrível. Os usuários de trens são chicoteados por seguranças. No Metrô, em função de razões eleitorais, um meio razoável de transporte é transformado em um verdadeiro inferno. Nas barcas também impera a bagunça. É usual as embarcações apresentarem problemas diversos, injustificáveis em pleno século XXI, em especial em um país com ambição de sediar Olimpíadas e uma Copa do Mundo.

         Por estas razões o contribuinte é obrigado a possuir um automóvel. Caso os transportes públicos funcionassem razoavelmente ele poderia deixar de ter um automóvel, em especial no tocante ao deslocamento dentro das grandes cidades. Para as grandes distâncias, este raciocínio também é válido, se os transportes  aéreo, rodoviário, ferroviário e fluvial funcionassem satisfatoriamente. Será que esta é a verdadeira razão da inoperância generalizada? Terá o segmento automotivo tanto poder de persuasão?

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