PERIGO NA RECEITA FEDERAL

Artigo publicado em 12/2002 no jornal Ombro a Ombro.

         As principais funções do Estado são: a) normativa: a de elaborar a legislação adequada; b) administrativa: a de fazer com que estas leis sejam cumpridas; c) repartitiva: a de procurar melhorar a forma de repartição de renda: d) distributiva: a de pagar remunerações a seus servidores; e) circulativa: a de promover a integração, principalmente física, entre produção e consumo. Dentro da função administrativa, são realçadas várias atividades clássicas, dentre elas a referente às de arrecadação dos tributos e outras receitas federais, de responsabilidade da secretaria da Receita Federal, órgão, até então, subordinado e pertencente à estrutura do ministério da Fazenda. Contudo, está sendo urdida, nos bastidores e nos estertores da administração FHC, a tentativa de sua transformação, através de projeto de lei ou de medida provisória, concedendo-lhe autonomia administrativa e financeira.

         Representa, na prática, a "autarquização" do órgão, que continuaria a ser do âmbito público, porém usufruindo perigosa independência, em relação ao governo constituído, com liberdade de proceder à realização de compras sem licitação, livre manejo da política tributária, possível uso político do sigilo fiscal, permitindo tanto a troca de favores com apaniguados, por intermédio da proteção a negócios, seja a perseguição a adversários do grupo que comandará a agência, através da fiscalização dirigida. E o que é pior, a contratação de funcionários da receita, sem concurso, possibilitando o empreguismo, justamente no momento em que a secretaria da Receita Federal exige, para o ingresso, concursos públicos rigorosos, que vão possibilitando a formação de uma elite profissional, sem comando político-partidário, agindo de acordo com os superiores interesses nacionais.

         E o comando da agência? Com esta "privatização branca", poderá ocorrer algo semelhante ao havido na Argentina, quando a DGI (Receita Federal argentina), foi transformada em agência, tendo permanecido em seu comando o Sr. Carlos Silvani, funcionário de confiança do Fundo Monetário Internacional (FMI), que participou da administração Menem. A conseqüência imediata foi a redução brutal na arrecadação e a perda pela administração De La Rúa, do comando da política tributária. Este processo, no Brasil, já teve início, na realidade, com o projeto de reestruturação da secretaria, inspirado no modelo organizacional do Banco Central (Bacen), dotado de maior centralização administrativa, com redução do número de superintendências e delegacias, sendo que estas divididas  em delegacias de arrecadação e tributação e outras de fiscalização, com poucas unidades. O secretário-geral da UNAFISCO sindical, Sr. Carlos André Nogueira, declarou que "esse efeito centralizador, sobretudo na área de fiscalização, pode produzir resultados desastrosos para o Fisco. Nem que se sinta a presença da fiscalização, tende igualmente a diminuir a percepção do risco do ato de sonegar". Para ele, continuando: "Tudo segue na mesma direção: enxugamento da máquina, barateamento de custo e gerenciamento coerente com os princípios da iniciativa privada".

         Não há como admitir que um absurdo de tal monta seja perpetrado, sem amplo debate pela sociedade, das vantagens e  desvantagens da adoção de tal modelo. Como argumento definitivo basta lembrar que, com a vitória da proposta, o auditor fiscal perderia a autonomia, pois a titularidade do lançamento tributário, hoje de responsabilidade do auditor, passaria para a esfera da administração, transformando-se o auditor em mero relator de processo, submetido ao arbítrio dos eventuais superiores hierárquicos. Urge que as principais forças vivas do país unam-se e apurem a veracidade de tais informes, de modo a que as devidas medidas sejam implantadas, de imediato, para impedir tal irregularidade, em nome dos superiores interesses nacionais.

Prof. Marcos Coimbra

Professor Titular de Economia junto à Universidade Candido Mendes, Professor na UERJ e Conselheiro da ESG.

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