O SURGIMENTO DE UM MÁRTIR

Prof. Marcos Coimbra

Membro do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (CEBRES), Professor aposentado de Economia da UERJ e Conselheiro da ESG.

Artigo publicado em 11/01/2007 no Monitor Mercantil

 

       A vingança perpetrada por Bush filho, ao mandar assassinar Saddam Hussein, foi mais uma demonstração de burrice do que de crueldade. Ninguém discute os crimes cometidos pelo sunita massacrado, porém mandar matá-lo, por intermédio de sicários xiitas, com a cortina de fumaça de um “tribunal” constituído a dedo pela força de ocupação no Iraque, sob o comando dos EUA, neste exato momento no qual a marca de soldados americanos mortos em combate oficialmente ultrapassa a marca dos 3.000, beira o limite da insensatez.       Os EUA estão envolvidos, até o pescoço, em uma guerra estúpida, onde a justificativa principal, a existência de armas de destruição em massa, foi desmentida até por fontes oficiais do Pentágono. A hostilidade existente entre árabes, principalmente dos palestinos, e de Israel chega aos limites do inacreditável. Prenuncia-se a divisão do Iraque, hoje ocupado por forças estrangeiras, entre três partes: a xiita, a sunita e a curda. Isto em uma região que, além de rica em petróleo, também possui água em abundância, além de sua relevância histórica. Só faltava na receita da fórmula infernal a criação de um mártir. E o Bush filho assim fez, para vingar o Bush pai.       Contudo, existem evidências, difundidas pela própria imprensa dos EUA no sentido de  que a verdadeira razão da rápida execução de Hussein seria a queima de arquivo, ou seja, desaparecido o ex-ditador, com ele iriam para o túmulo a história das relações de diversas administrações presidenciais norte-americanas com a ditadura iraquiana. Só para citar um exemplo, a guerra empreendida contra o Irã foi fomentada pelos EUA, que abasteceram o Iraque com todo um arsenal bélico, além de recursos tecnológicos. As relações da CIA com Saddam sempre foram evidentes, ao longo de todo seu período no poder. Com seu desaparecimento, foram com ele enterradas as últimas informações que poderiam colocar a descoberto as incestuosas relações entre os sucessivos governos dos EUA e o iraquiano.

      O processo de execução de Saddam foi um verdadeiro atentado à dignidade da pessoa humana. Insultar, humilhar, agredir um homem desarmado, manietado, prestes a morrer é um ato bárbaro. E, ainda mais, logo no início de um dos principais feriados muçulmanos, dedicado justamente ao

 perdão.Quem mostrou dignidade foi o ex-ditador que enfrentou seus derradeiros instantes de vida com coragem e dignidade, fazendo frente a seus algozes com altivez. A divulgação pela Internet e pela mídia do “linchamento” foi algo aterrador, se bem que possibilitou ao mundo verificar que os ”civilizados”, com aquele procedimento, igualaram-se ao “bárbaro ditador”, no entender deles.

      A lição transmitida a todos os países do mundo foi a de que continua a predominar a lei do mais forte. Ai dos vencidos! Mata quem possui poder e morrem os derrotados, qualquer que seja a justificativa, como na fábula do lobo e do cordeiro. A atual administração norte-americana demonstrou que não é confiável, usando os países e as pessoas como instrumentos, quando lhes é conveniente, dispensando-os em função de seus interesses ocasionais.       O Brasil condenou a execução, em consonância com a decisão de diversos países de expressão mundial, em particular a prescrita pelo Vaticano. Porém, sua “política” continua a ser, no campo econômico-financeiro, submissa aos interesses da banca internacional. No campo político, caudatária da orientação dos seguidores de Fidel Castro. No campo psicossocial, o clientelismo, o assistencialismo e a eliminação do sistema de mérito, bem como da dignidade do trabalho. No campo militar, o abandono das Forças Armadas, sem propiciar-lhes o mínimo fornecimento de recursos suficientes para o pleno exercício de suas funções constitucionais, na tentativa de acuá-las, impedindo sua reação natural e impondo-lhes a nomeação de ministros da Defesa ineptos.

         Em suma, uma posição dúbia, frágil e tíbia, longe do exemplo dado pelo Barão do Rio Branco, em termos de política internacional.

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