O RECURSO DA DESOBEDIÊNCIA CIVIL

Prof. Marcos Coimbra

Membro efetivo do Conselho Diretor do CEBRES (Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos), Professor aposentado de economia na UERJ e Conselheiro da ESG.

Artigo publicado em 27.12.2007 no Monitor Mercantil.

 

 Mahatma Gandhi foi um dos principais líderes mundiais, de todos os tempos. De estatura modesta, magro, movimentava milhões de indianos contra a opressão inglesa. Foi preso, sofreu muito, mas acabou alcançando seu objetivo principal: a  independência da Índia. Um dos mais importantes instrumentos utilizados por ele foi a desobediência civil, na qual o povo indiano desarmado  (pelos antecessores do Viva Rio) enfrentava a tirania dos poderosos, escudados em canhões, navios de guerra, metralhadoras, enfim toda a parafernália bélica da qual o império britânico era detentor.

         Analisando a conjuntura brasileira, identificamos o Poder Executivo, utilizando a mídia amestrada, docemente corrompida, com "musos e musas" do entreguismo, com o poder de censurar e vetar até qualquer referência a quem desagrade aos "donos do mundo", seus patrões, fazendo o que quer. E ainda possuem a desfaçatez de pregar, contra a censura, em favor da liberdade de expressão, quando são os primeiros a exercer seu arbítrio, censurando os que pensam diferentemente. E, para agravar o quadro, o Executivo chega ao desplante de criar uma “TV pública” com o claro objetivo de consolidar o pensamento único, calcado na mediocridade e na cooptação, com o objetivo de perpetuação no poder dos “cumpanheiros” e seus aliados.

O Poder Legislativo, inteiramente submisso, mendigando cargos e verbas, com honrosas exceções. Até o Poder Judiciário, considerado antigamente como última esperança, dobra-se, decidindo normalmente a favor da administração central, como foram os casos da validação da contribuição dos aposentados e da maioria dos artigos inconstitucionais do famigerado estatuto do desarmamento. A administração Lula, grande e verdadeira responsável pela grave crise sistêmica enfrentada pela Nação, da qual o “apagão aéreo” é um mero exemplo, possui poderes ditatoriais. Amanhã, se quiser, com a complacência do Legislativo e do Judiciário, vai impor a pena de açoite aos pobres cidadãos. Quem não se submeter aos seus caprichos, levará chibatadas, em praça pública, com transmissão direta de TV, através da principal cadeia de comunicação do Brasil.

         A propósito da resistência da administração Lula em enviar, de fato, proposta de uma reforma tributária justa, em um país onde a carga tributária chega a 36% do Produto Interno Bruto (PIB) e a classe mais pobre acaba pagando mais em termos relativos, sem a contrapartida adequada, sob a forma de prestação de serviços de atendimento às necessidades coletivas (saúde, educação, segurança, energia, transportes, comunicações e outras), fica a idéia de que a única solução é a desobediência civil. Se ninguém mais pagar os tributos e assemelhados, não só a União, como os Estados e Municípios terão que rever a injustiça do sistema existente. Esta taxa de incêndio, cobrada em alguns Estados do Brasil, como no Rio de Janeiro, até com a cobrança retroativa e a inclusão de honorários advocatícios de 5%, para cidadãos que nem chegaram a receber o boleto de cobrança, é um exemplo flagrante do abuso e do desrespeito. A sociedade quer saber onde são aplicados estes recursos, considerando a precariedade dos meios usados pelos bravos “soldados do fogo”, quando em ação, em contraste com o luxo ostentado pela cúpula da corporação.

Além disto, até hoje, nenhuma instituição de proteção ao consumidor, nem qualquer partido político questionou seriamente a questão dos exorbitantes lucros auferidos pelo sistema bancário no Brasil, do qual um dos pilares é a cobrança de tarifas, além do irresponsável crédito consignado. Ora, quem detém o controle do fator de produção trabalho recebe em contrapartida sua remuneração, ou seja, salários. E estes poderiam ser pagos, como antigamente, na boca do caixa, ou como é feito ainda hoje pelo SENAC-Rio, para quem quiser, em espécie, através de envelopes com o numerário no interior. Só recebe no banco, quem assim o desejar.

       Na realidade, os empregadores, inclusive as administrações públicas, escolhem a instituição bancária que pagará os proventos a seus empregados, recebendo até vultosas compensações financeiras para isto. Usando a justificativa de que o empregado pode utilizar a denominada “conta salário”, isenta de tarifas, leva sutilmente o empregado a ficar dependente de um determinado banco. Dificilmente, com a onda de consumismo existente no país, ele consegue limitar-se ao especificado. Então, passa a ser cobrado por tudo e os bancos, como um todo, chegam a receber 150% das despesas com pessoal apenas com o recebimento de tarifas e congêneres. O valor arrecado a este título ultrapassa o da CPMF.

Por que os sindicatos, as centrais de trabalhadores não agem neste sentido? Será que também vão obrigar os cidadãos a terem conta nos bancos, uma para cada fonte empregatícia, escolhida pelos patrões, em função de seus interesses?

         Fica a sugestão para os partidos ditos de oposição, para os candidatos e para as centrais sindicais e entidades estudantis, que, ao invés de defenderem os verdadeiros interesses dos cidadãos, entram em conchavos vergonhosos com a administração Lula, usufruindo as benesses de cargos e verbas, como é o caso da UNE. Lutem, enquanto é tempo, por bandeiras justas como esta. Se não lutarem, estarão jogando o povo no caminho da desobediência civil, praticada atualmente por milhões de pessoas, que não pagam conta de luz , pois possuem "gatos" (ligações clandestinas), bem como também não pagam por outros serviços, como água, tv a cabo etc

       A autoridade governamental que quiser verificar é só conferir, por exemplo, no Rio de Janeiro, comparando a escuridão nos bairros de classe média, em comparação com outros logradouros, fartamente iluminados. Ou então observar os milhares de ambulantes que vendem de tudo, sem pagar qualquer tributo, impedindo o livre trânsito das pessoas, em frente dos comerciantes legalmente estabelecidos. Alguns deles também vendem suas mercadorias pelos dois meios, a fim de fugir da carga tributária excessiva. Ou nas centenas de "vans" que praticam irregularmente o transporte coletivo, estacionando em local proibido, engarrafando o já caótico trânsito das grandes cidades.

         Será que somente a prática da desobediência civil trará um resquício de lucidez aos detentores do poder político no Brasil?

Correio eletrônico : mcoimbra@antares.com.br

Sítio: www.brasilsoberano.com.br