O BRASIL E AS LIÇÕES DA AMÉRICA LATINA

Artigo publicado em 18.04.2002 no Monitor Mercantil.

 

Prof. Marcos Coimbra

Professor Titular de Economia na Universidade Candido Mendes, Professor na UERJ e Conselheiro da ESG.

         A Venezuela está vivendo um sério dilema. Rica em petróleo, recurso estratégico da maior importância para a potência hegemônica do mundo, sofre as contradições conceituais existentes entre um presidente, eleito com mais de 70% dos votos, militar de formação, adepto dos ideais bolivarianos, em confronto com uma das mais fortes e tenebrosas oligarquias do continente. É oportuno realçar que, em 2000, Venezuela, Colômbia e Equador já superaram a Arábia Saudita e o Kuwait no suprimento do ouro negro aos EUA (US$ 17 bilhões contra US$ 15,5 bilhões). Não é por acaso que os EUA derrubaram o presidente do Equador, forçando a dolarização daquela economia, criaram o plano Colômbia e agora estão agindo na Venezuela. Hugo Chávez só continuará no poder, caso mude sua postura e seja mais simpático aos interesses americanos. A Colômbia está próxima a sofrer uma intervenção militar. No Peru, o presidente Fujimori já foi substituído por um egresso de Harvard, Alejandro Toledo, que já solicitou ajuda ao economista Jeffrey Sachs, que operará como seu  principal consultor econômico.

A nossa vizinha Argentina está em sérias dificuldades econômico-financeiras. Resolveu seguir rigidamente o receituário neoliberal e colhe os amargos resultados da aventura empreendida,  principalmente na administração Menem. O patrimônio nacional do outrora rico país foi dilapidado. Hoje, de significativo, só restou o Banco de La Nación. E a dívida continuou a crescer. E a situação a piorar. A pobreza aumenta. A miséria campeia. Com o regime cambial fixo a economia engessou-se. E a solução foi recorrer justamente ao FMI. É chamar a raposa para tomar conta do galinheiro. O megaespeculador George Soros já está agindo por lá, especulando forte, trocando “papel-pintado” por propriedades. E o presidente Fernando de La Rúa também caiu.

         O único país com o qual a Argentina está obtendo superávit na balança comercial é justamente com o Brasil, algo em torno de US$ um bilhão no  ano passado e as autoridades e empresários argentinos continuam a pressionar violentamente a administração brasileira para conseguir obter resultados mais expressivos. As exportações para o Brasil são predominantemente de bens primários, como trigo, petróleo, enquanto que compram de nós mercadorias de maior valor agregado.

         Na expressão política, o presidente nomeado Eduardo Duhalde padece de baixos índices de aprovação (24%). Na expressão psicossocial, o antes orgulhoso povo argentino padece de angústias nunca imaginadas. Dezenas de crianças morrem de fome diariamente.  A previdência pública está destroçada. A educação pública cai de qualidade. A saúde pública está sendo destruída. O desemprego atinge cerca de 20% da população economicamente ativa. A classe média está sendo dizimada. Existem agora apenas os ricos e os pobres. A insegurança aumenta.

         Na expressão militar, as antes bem equipadas e respeitadas forças armadas argentinas são um triste arremedo do que foram. Os recursos  a elas destinados minguam a cada ano. Seu efetivo foi diminuído. Não há lideranças expressivas. O cel. Seineldin continua  aprisionado. Foram enfraquecidas de propósito, para não serem capazes de cumprir sua missão.

         Preocupa-nos muito tal situação vivenciada pela Argentina, pois caso a crise se agrave, além dos reflexos diretos e indiretos que provocará em nossa economia, ferirá mortalmente o MERCOSUL, projeto acalentado por nós, objetivando integrar os demais países da América do Sul, para tentar conseguir uma inserção soberana na economia internacional, a exemplo da China e da Índia. Já perdemos o Chile para a ALCA. O México, sob a nova presidência, aproximar-se-á cada vez mais dos EUA, na ALCA.        Comparando a  situação da Argentina com a nossa, encontramos muitas semelhanças, todas fruto da adoção das práticas  neoliberais. Apenas eles foram mais radicais, atrelando  a moeda nacional ao dólar, adotando o regime cambial fixo e demorando demais para alterar a situação. Também são auto-suficientes em petróleo. O Brasil alcançará a auto-suficiência em 2005. Por coincidência, o ano previsto para a ALCA entrar em ação. E até 2020 seremos exportadores de petróleo. No Brasil, ainda temos tempo de parar de entregar o patrimônio nacional, diminuir a taxa de juros, aprendendo com a lição argentina. Caso continuemos cumprindo as determinações do FMI, como, por exemplo, continuando com a privatização selvagem, amanhã estaremos na mesma situação deles. Despojados de patrimônio, cada vez mais endividados e dependentes, sem perspectivas, sem esperanças.

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