GUARDA PRETORIANA
Artigo Publicado em 29/08/2002 no Monitor Mercantil
Prof. Marcos Coimbra
Professor Titular de Economia na Universidade Candido Mendes, Professor na UERJ e Conselheiro da ESG.
O crescente descaso da administração FHC para com os assuntos de Segurança, bem como para com os militares, traduzido pelo crescente corte das verbas orçamentárias destinadas às Forças Armadas, agrava as causas da sensação de insegurança da população brasileira. Medidas extremas, nunca antes imaginadas, como o corte de 44.000 recrutas do Exército Brasileiro, meses antes da data prevista para a desincorporação, indicam o grau de vulnerabilidade de nossas Forças Armadas.
O Senado já aprovou, quase secretamente, a criação da Guarda Nacional. Tradicionalmente o Brasil nunca teve grandes problemas no relativo a guerras intestinas, como, por exemplo, os EUA na Guerra da Secessão. As atribuições dos entes federadas estão bem explícitas na Carta Magna. A Segurança Externa é de responsabilidade das Forças Armadas que podem, em caso de necessidade, mobilizar outros recursos, até mesmo civis, para cumprimento de sua missão. A Segurança Pública é de responsabilidade dos Estados, possuidores das Polícias Militar e Civil, além dos bombeiros militares. Os Municípios podem criar suas guardas municipais com efetivos ponderáveis. Quanto a Segurança Interna, contudo, há uma área cinzenta. Parte dela cabe, como já vimos, aos Estados, porém existe outra parcela que extrapola suas jurisdições respectivas. Para isto a União possui a Polícia Federal, a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), a Polícia Rodoviária Federal e tantas outras.
Segundo a doutrina da Escola Superior de Guerra, "Segurança Interna é a garantia relativa, para a Nação, de que seus Objetivos Permanentes estão sendo alcançados e preservados, em face de sua capacidade para superar quaisquer ameaças a esses objetivos, de origem interna ou externa, que produzam efeitos internos". Já "Segurança Pública é a garantia relativa da manutenção da ordem pública, mediante a aplicação do poder de polícia, encargo do Estado". "Ordem Pública é a situação de tranqüilidade e normalidade que o Estado assegura, ou deve assegurar, às Instituições e aos membros da Sociedade, consoante as normas jurídicas legalmente estabelecidas". Entretanto, como os fatores adversos podem se projetar no universo dos antagonismos, há uma possível proximidade entre as questões de Segurança Pública e de Segurança Interna. Eis a área cinzenta. Por esta razão, em caso de uma situação onde haja grave comprometimento da ordem pública, grave iminente instabilidade institucional ou comoção grave de repercussão nacional cabem atitudes repressivas executadas pela expressão militar e política do Poder Nacional, de acordo com os artigos 134, III, 136 e 137 da Constituição (intervenção, estado de defesa e estado de sítio). Em caso de luta armada, então, a atitude é operativa, de responsabilidade preponderante da expressão militar. Por isto, as Polícias Militares, também pela Carta Magna, são subordinadas à Força Terrestre, na qualidade de Força Auxiliar. Afinal, seu efetivo total, nos 27 Estados, ultrapassa em muito ao efetivo total das Forças Armadas Brasileiras, de cerca de 300.000 integrantes. E para haver intervenção das Forças Armadas, deve haver antes a solicitação prévia de um dos três poderes da República (Executivo, Legislativo ou Judiciário).
É claro que estamos vivendo uma grave situação no país, ocasionada pela adoção de medidas econômicas impostas pelo sistema financeiro internacional, através de seu representante, o FMI, trazendo como conseqüências naturais o agravamento da concentração de renda, o desemprego, a miséria, a queda dos salários reais, a pobreza, a destruição do Estado Nacional Soberano, a desnacionalização da Economia, a doação do Patrimônio Nacional, a perda da Soberania Nacional. E, apesar do esforço de contenção da explosão social exercido pela mídia amestrada, as reações começam a surgir. Estados são dominados pelo crime organizado como um poder paralelo, fugas em massa em presídios em todos os recantos do país, bloqueios de marginais são feitos nas principais ruas de cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, propiciando assaltos de motoristas pelos organizados bandidos. Com a crescente impopularidade da administração FHC, não é preciso ser pitonisa para prever as dificuldades crescentes de FHC e seus colaboradores em andarem pelas ruas, caminhando. Agora, só de helicóptero, ou dentro de um carro de combate ou isolando quarteirões, empregando tropas de choque especiais.
É evidente que a solução principia pela adoção de medidas preventivas capazes de reverter o caos existente e pelo fortalecimento das instituições existentes, com implementação de um sistema integrado que estabeleça sintonia fina entre elas, com a reativação da Inspetoria Geral do Exército para coordenar a ação das Polícias Militares, pelo maior investimento em treinamento, adestramento e aprestamento, pelo pagamento de salários dignos, pela criação de uma Guarda Costeira, no âmbito da Marinha ou da Polícia Federal e pela integração das Guardas Municipais ao combate à violência, sob o comando de um Estado Maior das Forças Armadas. Não é preciso criar mais uma polícia, mais uma guarda, para enfrentarmos os problemas existentes. Caso somemos os efetivos de todos os órgãos de combate ao crime, incluindo as empresas particulares de segurança, vamos ter uma surpresa. É gente demais! A experiência mostra que, quanto mais órgãos são criados, mais aumentam as razões de insegurança, devido à dificuldade de administrar o sistema global, em função da superposição de funções.
A não ser que o verdadeiro objetivo da criação de uma Guarda Nacional seja, com o paralelo desmantelamento das Forças Armadas, além da imitação do modelo norte-americano, a formação de uma guarda pretoriana, que se superponha aos poderes constituídos, servindo não à Nação, mas à administração transitória, que, assim, poderá passar a ser permanente, o que parece ser o sonho dourado dos atuais governantes.
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Artigo escrito em 27.08.2002 para o Monitor Mercantil.