GANHA, MAS NÃO LEVA

Artigo publicado em 23.08.2001 no Monitor Mercantil.

 

Prof. Marcos Coimbra

Professor Titular de Economia na Universidade Candido Mendes, Professor na UERJ e Conselheiro da ESG

         O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Paulo Costa Leite, respaldado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Marco Aurélio Mello, declarou, em discurso no encerramento do IV Congresso de magistrados estaduais, em Bento Gonçalves (RS), que há Estados que devem precatórios há mais de dez anos. Afirmou ainda: "Litigar com o governo virou um jogo de faz-de-conta, o sujeito ganha, mas não leva. E o pior, entra na fila dos famigerados precatórios (dívidas judiciais)". E, mais: "Isso não só ofende o direito das pessoas, mas desgasta a imagem e a credibilidade do Judiciário. Porque o cidadão comum não sabe que a Justiça apenas determina a inclusão do precatório no orçamento, o seu pagamento nada tem a ver conosco. A persistir essa situação, o melhor é dizer que o cidadão não tem direito à ação contra o Estado". Já o ministro Marco Aurélio salientou que tramitam no Supremo mais de 3.000 processos contra a União, Estados, Municípios, Autarquias e Fundações Públicas pelo não pagamento de precatórios. Afirmou ainda que: "O argumento de que não existe dinheiro é improcedente".

         São dois depoimentos da maior importância, pois pronunciados pelos dois mais significativos representantes do poder Judiciário, não só na qualidade de presidentes dos dois principais órgãos daquele poder, como também pelos exemplos dados, através de suas sentenças independentes. São duas personalidades que engrandecem o Judiciário, colocando-se a altura dos seus inesquecíveis antecessores. Homens incorruptíveis, capazes de enfrentar com coragem o poder das armas e de toda espécie de pressões. Pena que sejam exceções no atual contexto brasileiro, em especial no Judiciário. Identificamos, por exemplo, a sinistra tradição de ser a Suprema Corte preenchida por pessoas indicadas pelo presidente da República e aprovadas pelo Congresso, quando deveriam ser eleitas pelos seus pares, dentre os desembargadores e juízes mais competentes. Desta forma, temos até a excrescência de a imprensa afirmar que existe até a figura do líder da administração FHC no Supremo, numa bancada de dois representantes, além dos simpatizantes, ansiosos em aderir aos detentores do poder político.

         A recente votação da inconstitucional proposta da administração FHC no relativo à energia pelo STF, onde apenas dois ministros cumpriram seu dever, mostra bem o fato de o julgamento ter sido político e não técnico. É também sabida a pressão exercida pela atual administração junto às principais cortes no país, não satisfeita em dominar o Legislativo. No Tribunal Superior do Trabalho (TST), já existe um entendimento firmado pela maioria dos integrantes daquele  Egrégio Tribunal, através de jurisprudência, a partir de 95/96, no sentido de negar provimento às demandas judiciais dos empregados do Banco do Brasil contra a Instituição, convencidos pelo falacioso argumento de que os funcionários do Banco do Brasil são "marajás", ganhando já muito, privilegiados no universo de trabalhadores, não merecendo obter os direitos a que fazem jus, por exemplo, no relativo a horas extras e reajustes de comissões. Assim, não ganham mais. Se ganharem, não levam. Há uma ação antiga em curso contra o Banco do Brasil, relativa à equiparação salarial com o pessoal do Banco Central (40%), já ganha, mas que só alguns bancários de pequenas cidades, graças à atuação de juízes de coragem, conseguiram receber. Só no Rio de Janeiro existem cerca de 8.000 funcionários esperando há anos o recebimento do que lhes é devido.

         Infelizmente, fica confirmada a tese de que vivemos numa falsa democracia, pior do que numa ditadura declarada, pois solerte, aparenta ser o que não é, apoiada pela cumplicidade da mídia amestrada e pela ingenuidade da massa. Um povo carente no referente ao atendimento de suas necessidades básicas em saúde, educação, segurança, energia, transportes, comunicações, sobrevivendo em uma economia estagnada, onde o emprego é escasso, os salários reais diminuem, a inflação estoura as metas fixadas com o "patrão", representado pelo FMI. Sem expectativa de melhora, observa a destruição do Estado Nacional Soberano, a desnacionalização da Economia, a venda/doação do patrimônio nacional, o pagamento de R$ 120 bilhões de juros da dívida interna e de US$ 28 bilhões de déficit do balanço de pagamentos em transações correntes. Um consumidor que só possui o direito de não ter direito. Onde todo o poder está na mão dos empresários, em especial dos estrangeiros e onde o povo não tem a quem recorrer. Só lhe resta sonhar que vive numa democracia, onde alguns são mais iguais do que outros.

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