FALÁCIAS DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA

Artigo publicado 10.04.2003 no Monitor Mercantil.

Prof. Marcos Coimbra

Professor Titular de Economia junto à Universidade Candido Mendes, Professor na UERJ e Conselheiro da ESG.

     Segundo o magnífico trabalho divulgado pela UNAFISCO, de autoria da Auditora Fiscal da Receita Federal, Dra. Maria Lucia Fattorelli Carneiro, existem as seguintes falácias sobre a controvertida reforma da previdência:

     A primeira delas refere-se à necessidade de haver a reforma da previdência como condição indispensável para solucionar os principais problemas econômicos experimentados pelo Brasil. De fato, a primeira reforma a ser empreendida deveria ser a reforma tributária, capaz de permitir a melhora na forma de repartição de renda do país. Na realidade, o objetivo deles é a privatização da previdência dos servidores públicos, a fim de proporcionar lucros vultosos a fundos de previdência e seguradoras particulares, em especial estrangeiras. Além do mais, a proposta apresentada é inconstitucional, segundo o entendimento do presidente do STF.

     A segunda diz respeito ao fato de que o regime de capitalização proposto permitiria rendimentos maiores e aumentaria o nível de poupança. De início, as experiências de outros países, como, por exemplo, a Argentina e o Chile, foram desastrosas, pois foram aumentados brutalmente os gastos do Estado, enquanto o valor das aposentadorias caiu. E o pior. Quando chegou o momento de desembolsar os benefícios, vários fundos privados faliram, deixando o ônus para o Estado. Estudos preliminares feitos por órgãos a seguir citados mostram o custo da transição, a ser paga pelo Estado, em percentuais do PIB brasileiro, enquanto as empresas privadas se capitalizariam: FIPE (255%); IBGE/IPEA (218%); FGV (250%).

     A terceira é relativa à existência de déficit na seguridade e na previdência social. A Constituição Federal de 1988 definiu a seguridade como dever do Estado, abrangendo a previdência social, a saúde e a assistência social. Os defensores da reforma apresentada afirmaram ter havido um déficit de cerca de R$ 50 bilhões, em 20002. Equivocaram-se, pois deixaram de computar as receitas previstas como fontes de financiamento (COFINS, CPMF, CSLL etc.). Na verdade, o total de contribuições no ano citado foi de R$ 171.906 milhões. As despesas do orçamento da seguridade social foram de R$ 123.115,1 milhões, com um saldo de R$ 48.790,9 milhões. Acrescentando-se o resultado negativo dos regimes próprios (servidores civis e militares) em um total de R$ 26.495,6 milhões, obtivemos um superávit de R$ 22.295,3 milhões. E isto se sabendo que R$ 15 bilhões referem-se a aposentadorias rurais, renda mensal vitalícia e outros.

     A quarta defende a tese alarmista de que se não for aprovada a reforma da previdência, as contas públicas não se equilibram. Ora, qualquer cidadão bem informado sabe que o desequilíbrio existente é conseqüência do pagamento de juros extorsivos, relativos à dívida interna, que chegaram, em 2002, a cerca de 40% da arrecadação de tributos do governo e 14,25% do PIB. Numa série histórica de 95 a 2002, encontramos uma participação média em torno de 30% no total da arrecadação dos  tributos e a quase 10% do PIB. O resultado da seguridade social é positivo. O fictício déficit alardeado é fruto da DRU (Desvinculação das Receitas da União).

     A quinta pretende incutir na população a falsa idéia de que a previdência tem sido um grande fardo para a sociedade. Quem conhece a História do Brasil sabe que os recursos da previdência social é que propiciaram a instalação das indústrias de base no país e várias outras obras relevantes (Carteira de Crédito Agrícola e Industrial do Banco do Brasil, CSN, CHESF, Companhia Nacional de Álcalis, FNM, BNDE, construção de Brasília, Ponte Rio Niterói, Itaipu Binacional e outras). Conforme já afirmamos em artigo anterior, se as contribuições da previdência tivessem sido corretamente aplicados, de 1945 a 19800, em sistema de capitalização a 6% ao ano, teríamos hoje um fundo de cerca de R$ 1 trilhão, atualizado.

     A sexta refere-se ao fato de que os servidores públicos seriam privilegiados, pois recebem aposentadoria integral. "Esquecem" que não há teto de contribuição para o regime de previdência dos servidores públicos, enquanto no regime geral de previdência social (RGPS) é de R$ 171,77. Assim, por exemplo, um cidadão que aufere R$ 5.000,00 de salários por mês, caso seja regido pela CLT, sofrerá um desconto de R$ 171,77 para a previdência, enquanto o empregador recolherá R$ 400,00 para o FGTS e R$ 1.000,00 para a previdência. No caso de servidor público, regido pelo RJU (Regime Jurídico Único), pagará R$ 550,00 de contribuição. Como comparar as duas situações, exigindo uma igualdade por baixo? No caso de uma reforma com objetivos sadios, o certo seria proporcionar ao empregado do setor privado a oportunidade de descontar também  sobre o total percebido, sem teto.

     A sétima diz respeito a assertiva, não verdadeira,  de que o servidor público não contribuía, até poucos anos atrás, para a previdência. Na realidade, desde a criação do IPASE, em 1938, eles contribuem. Atualmente, com 11% do valor recebido. Acontece que, além de a União nunca ter contribuído com a parte patronal, na forma da lei, estes recursos desapareceram.

     A oitava fala que o justo é haver um regime único, devendo ser eliminado o regime próprio dos servidores públicos. Conforme já analisamos nos itens anteriores, é muito difícil que isto possa ocorrer, devido às especificidades, as razões e a evolução histórica de cada regime. O servidor público contribui de forma diferente, além de não ter acesso ao FGTS e não ter direito à remuneração de horas extras. Além disto, as reservas vultosas acumuladas no passado, apesar de o Estado não ter cumprido com sua parte, sumiram. Caso haja, a unificação deverá melhorar a aposentadoria do regime geral e não penalizar a aposentadoria do setor público.

     A nona é a de que o aumento dos beneficiários da previdência será superior ao aumento dos contribuintes e, isto ocorrendo, poderá inviabilizar o sistema previdenciário. De início, o padrão de crescimento dos beneficiários, no futuro, será diferente do ocorrido no passado. A seguir, tão logo a Economia Brasileira volte a crescer de acordo com suas taxas históricas, em um ciclo virtuoso de desenvolvimento, aumentará o nível de emprego, os salários serão reajustados, a economia informal decrescerá, aumentando o volume de contribuições. Em paralelo, outras medidas deverão ser adotadas, como combate à sonegação, diminuição da corrupção, minimização das renúncias fiscais e outras.

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