EXTINÇÃO DA VERDADEIRA CLASSE MÉDIA

Prof. Marcos Coimbra

Conselheiro-Diretor do CEBRES, Professor de Economia e Autor do livro Brasil Soberano.

(Artigo publicado em 04.03.10 no MM)

 

         O discutível critério utilizado por órgãos da administração federal em considerar como integrantes da classe média cidadãos com renda pouco superior a R$ 1.100,00 mensais provoca uma lamentável distorção técnica, com nítida motivação eleitoral. Por outro lado, o próprio presidente do IPEA reconhece como falha a metodologia de tentativa de classificação das classes sócio-econômicas, em virtude de levar em consideração apenas a remuneração do fator de produção trabalho (salários), ao invés de incluir também os demais componentes da Renda Interna (alugueis, juros e lucros), o que conspurca a qualidade da análise. De início, assim, já fica difícil uma análise séria.

         Em todas as sociedades, a classe média sempre desempenhou importantes papéis. Dentre eles, o de funcionar como amortecedor das tensões normalmente existentes entre as classes mais favorecidas e menos favorecidas, operando como veículo de mobilidade social. Infelizmente, no Brasil hodierno ela encontra-se em vias de extinção. Conversando recentemente com um líder comunitário de uma das mais carentes comunidades cariocas, recebemos uma lição de sobrevivência. Visitamos o centro de saúde, possuidor até de atendimento odontológico, tudo cobrado a preços módicos. Escola da associação organizada, limpa, segura, com computadores. Centro de preparação de mão-de-obra, com cursos de informática e de idiomas estrangeiros. Percorremos quase toda a comunidade e não vimos ninguém armado, nem drogado. Poder público ausente, como sempre.

         Percebendo a nossa perplexidade, sorriu e disse que tudo aquilo era fruto do trabalho político da liderança local que, usando a perspectiva de propiciar uma expressiva votação nos pleitos eleitorais, conseguia o apoio de políticos influentes, capazes de obter tudo aquilo que havia. Informou ainda que possuíam TV a cabo, por um custo dez vezes menor do que o pago por nós. As contas de energia, água etc. eram também irrisórias. Acrescentou ainda que não compreendia como nós, do asfalto, não conseguíamos reivindicar nossos direitos e agir em grupo como eles, aceitando passivamente as freqüentes extorsões a que somos submetidos, vitimados por autoridades corruptas ou por bandidos sanguinários.

         De fato, a classe média não possui nem mais compreensão do que está acontecendo, caminhando como boi para o matadouro. As classes mais favorecidas manipulam os meios de comunicação, elegem seus representantes e praticam uma moderna forma de escravidão. As categorias menos favorecidas agrupam-se, lutam por seus direitos, elegem seus próprios representantes e vão conseguindo melhorar sua qualidade de vida, felizmente. Conhecemos várias pessoas que recebem  Bolsa Família, apesar de possuírem renda familiar superior a R$ 1.800,00, informal, para três pessoas. Os cidadãos estão acostumando-se a receber o óbolo governamental e a operar na informalidade, para continuar a usufruir as benesses eleitoreiras.

         E a classe média continua a ficar hipnotizada diante da TV perdendo tempo com novelas e com “programas da realidade”. É evidente o aumento da criminalidade do Rio de Janeiro. E é apresentada uma tese curiosa. A de que a responsabilidade do fato é do crescimento da atuação das milícias, pois sua ação afeta o faturamento do narcotráfico, levando-o a incrementar assaltos, seqüestros e outros atos criminosos. Não acreditamos que a solução insinuada seria a de que era melhor acabar com as milícias, para os narcotraficantes manterem sua taxa de lucro e não incrementarem suas agressões contra nós, os cidadãos. Mas que pareceu, pareceu. Aliás, é a mesma “solução” apresentada por ONGs ricas, poderosas, famosas por defender os direitos humanos de bandidos e prosseguir em sua cruzada hoplófoba de desarmar os cidadãos, a polícia e as Forças Armadas. Comenta-se até que elas possuem influência significativa no comando da segurança pública do Estado do Rio e  de órgãos federais. Será verdade?

         Mas a verdade verdadeira é representada pela omissão das autoridades estaduais no atendimento às necessidades coletivas da população, em especial da segurança. O país está traumatizado com os atos bárbaros praticados por facínoras contra a população. A população pergunta onde está a Força Nacional de Segurança (FNS). As ações empreendidas pelas autoridades públicas, tanto no âmbito federal, como nos estaduais, têm sido mais “midiáticas” do que efetivas.

          O problema é agravado com a progressiva  deterioração da sociedade brasileira, refém da anomia reinante. Há um afrouxamento moral escandaloso. O exemplo da corrupção no governo de Brasília é significativo. Agora, a realidade é a  de  que se todos os governadores, prefeitos e demais executivos sofressem por processos semelhantes de investigação, quantos permaneceriam inocentes? Todos nós sabemos que, infelizmente, estas práticas são rotineiras e usuais no meio político. Chega de hipocrisia! Arruda está preso. Mas e os outros (Waldomiro, Valério, Delúbio, enfim, os famosos 40)?

         Até que ponto vamos aturar isto, fingindo que está tudo normal? Quem são os (ir)responsáveis? Se são incompetentes, peçam o boné e recolham-se, abrindo espaço para quem tenha conhecimento, coragem e habilidade para dar fim a este descalabro.

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