CORRUPÇÃO ENDÊMICA

Prof. Marcos Coimbra

Conselheiro Diretor do CEBRES (Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos), Professor de Economia e Autor do livro Brasil Soberano.

Artigo publicado em 03.12.09 no MM

 

            Segundo divulgado pela imprensa, este é o diagnóstico divulgado em um relatório do Departamento de Estado dos EUA sobre a atual situação do Brasil neste quesito. Infelizmente, de fato, o diagnóstico é acertado. Vejamos alguns exemplos recentes, ocorridos nos três Poderes e nos diferentes segmentos dos entes federados.

            O mais recente é o já batizado “mensalão de Brasília”. Possui como principais acusados o único governador do DEM, Sr. Arruda (antes filiado ao PSDB e hoplófobo assumido), vários secretários estaduais e deputados distritais, por denúncia do delegado aposentado da polícia civil, ex-secretário de Relações Institucionais, Sr. Durval Barbosa Rodrigues, o qual responde por dezenas de processos, utilizado como espião em troca de benefícios existentes para a delação premiada. As provas são eloquentes. Contudo, surgem constatações evidentes. De início, por que o atingido foi justamente um governador de um partido dito de oposição? Seria ele o único a praticar estes atos no universo nacional? Ou o único a ser investigado? E os demais? São honestos, não são investigados ou seus delitos não são divulgados?

            Acreditamos que se todos os executivos nas três esferas de governo (União, Estados e Municípios) passassem por investigação semelhante, poucos sairiam ilesos. Não pode deixar de ser reproduzida a seguinte frase do ex-secretário para o governador acusado em um dos diálogos gravados: “Quem elege o governante não é quem lê jornal, é quem limpa ...com ele”. Trata-se de uma frase lapidar, demonstrativa do nível em que nos encontramos. A mediocridade, a ignorância e a impunidade foram disseminadas para todos os segmentos da sociedade, com uma velocidade ímpar.

            No Poder Judiciário, surge a notícia de que acaba de ser concluído inquérito da Polícia Federal (PF) envolvendo um desembargador aposentado, ex-corregedor-geral do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, com um esquema internacional de lavagem de dinheiro. Segundo a PF, documentos apreendidos na casa de um casal de doleiros demonstrariam que o magistrado teria criado duas empresas “offshore” em paraísos fiscais para camuflar depósitos estimados em US$ 500 mil em contas de bancos da Suíça e do Principado de Liechtenstein. O acusado foi o responsável pela abertura de processo disciplinar contra a juíza Márcia Cunha da 2ª Vara Empresarial, em 2005. Ela teve a conduta questionada depois de conceder decisão preliminar que permitiu a Previ e outros fundos de pensão retirar do grupo Opportunity o controle da Brasil Telecon.

            No âmbito federal, é noticiado por uma revista de grande circulação que um genro do presidente Lula (Sr. Marcelo Saito) teria sido flagrado em uma operação da PF, negociando o empréstimo de R$ 10 mil de um empresário investigado por operações cambiais clandestinas, tráfico de influência, lavagem de dinheiro e ocultação de bens. O Sr. Marcelo também estaria prestando serviços a uma quadrilha, realizando tráfico de influência junto a órgãos federais, agendando reuniões de empresários acusados com autoridades governamentais. Ele foi flagrado na Operação Influenza, na qual interceptações telefônicas, autorizadas pela Justiça, mostram as relações entre o genro do presidente e o empresário João Quimio Nojiri, preso em 2008.

Surge a denúncia de que a cooptada UNE teria forjado documentos e não teria prestado contas de recursos públicos recebidos desde 2007. Seu presidente admitiu  “algumas prestações de contas em atraso”. Agora, a Caixa Econômica adquire parte do Banco Panamericano, do grupo Sílvio Santos, especializado em financiamento de motos, a semelhança do que fez o Banco do Brasil, quando comprou 49,9% do Banco Votorantim, em passado recente. São recursos públicos utilizados para socorrer grupos privilegiados privados. Estes ficam com os lucros. O Estado com o prejuízo.

            Na esfera estadual, na 6ª delegacia policial do Rio de Janeiro, é aberto inquérito contra dois policiais militares acusados de balearem com um tiro de carabina no rosto uma jovem de 21 anos, jogando-a ainda de um abismo de 9 metros, nas Paineiras, após extorquir-lhe dinheiro e tentar abusar sexualmente da vítima. É inacreditável que isto seja verdade. 30 presos são resgatados à luz do dia na Polinter do Grajaú, na Zona Norte. Nova guerra eclode entre quadrilhas de narcotraficantes rivais pelo controle dos morros do Borel, Casa Branca e Formiga, levando o pânico aos moradores.

            Por último, aparece grave denúncia, na esfera da corrupção moral, do insuspeito intelectual César Benjamin (Cesinha), a quem conhecemos pessoalmente, inclusive de debates no programa Faixa Livre da Rádio Bandeirantes. Ele militou no movimento estudantil secundarista em 1968 e passou para a clandestinidade depois da decretação do AI nº 5, juntando-se à resistência armada ao regime militar. Foi preso em meados de 1971, com 17 anos, e expulso do país no final de 1976. Retornou em 1978. Ajudou a fundar o PT, do qual se desfiliou em 1995. Em 2006 foi candidato a vice-presidente na chapa liderada pela senadora Heloísa Helena, do PSOL, do qual também se desfiliou. Trabalhou na Fundação Getulio Vargas, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. É editor da Editora Contraponto e colunista da Folha.

Em 1994, quando integrava a equipe que cuidava da campanha eleitoral de Lula na TV — no grupo, estava um marqueteiro americano importado por alguns petistas. E, agora, segue o texto estarrecedor de Benjamin sobre uma reunião. “Na mesa, estávamos eu, o americano ao meu lado, Lula e o publicitário Paulo de Tarso em frente e, nas cabeceiras, Espinoza (segurança de Lula) e outro publicitário brasileiro que trabalhava conosco, cujo nome também esqueci. Lula puxou conversa: “Você esteve preso, não é Cesinha?” “Estive.” “Quanto tempo?” “Alguns anos…”, desconversei (raramente falo nesse assunto). Lula continuou: “Eu não aguentaria. Não vivo sem ...

Para comprovar essa afirmação, passou a narrar com fluência como havia tentado subjugar outro preso nos 30 dias em que ficara detido. Chamava-o de “menino do MEP”, em referência a uma organização de esquerda que já deixou de existir. Ficara surpreso com a resistência do “menino”, que frustrara a investida com cotoveladas e socos”. A denúncia é muito séria. Caso mentirosa, o denunciado deveria ser processado. Caso verdadeira, é terrível. Correligionários de Lula dizem que se tratava apenas de uma “piada”, sem negar o fato. Afinal, existem piadas e “piadas”. Não se brinca com assuntos deste teor.

            A lista de delitos ilustrativos de corrupção é infindável. Mesmo considerada apenas a última semana, o espaço deste artigo não comportaria. Até hoje os acusados do “mensalão do PT”, dos cartões corporativos, dos “recursos não contabilizados” etc. estão impunes. Nenhuma punição. O próprio Sr. Delúbio afirmou, na época, que no futuro o “mensalão” seria motivo de “piada”. E estava infelizmente correto. Este conceito de piada é perigoso.

            Urge colocar um fim a isto. Mas como fazer? Fica o assunto à reflexão das autoridades responsáveis, direta e indiretamente, pelo cumprimento das leis no Brasil, sob pena de passarem à História, no mínimo, como omissas ou coniventes.

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