A SAÚDE E A ECONOMIA
Prof. Marcos Coimbra
Membro do Centro Brasileiro de Estudos
Estratégicos (CEBRES), Professor aposentado de Economia na UERJ e Conselheiro
da ESG.
Artigo publicado em 11.10.2007 no Monitor
Mercantil
O bem mais precioso que um ser humano possui é a
saúde. De nada adianta ter riquezas incomensuráveis, se a pessoa padece de
enfermidades sem cura. A assistência médica é proporcional principalmente ao
volume de recursos possuídos pelo indivíduo e seus próximos, em termos
particulares. É óbvio que, quanto mais ricos, melhores serão suas condições de
atendimento. Contudo, se o cidadão não é abastado, ele depende da assistência
médica prestada pelo setor público. Como ela, no momento, não é de boa
qualidade, de um modo geral, as pessoas, que podem, recorrem a empresas
particulares, pagando vultosas mensalidades, para tentar obter uma assistência
médica digna. E quase sempre não conseguem alcançar seus objetivos. Geralmente,
o atendimento deixa a desejar. E os cidadãos que não possuem recursos para
pagar planos privados? Dependem apenas da assistência médica
propiciada pelo setor público, direito garantido pela Constituição.
Antigamente, ela era de boa qualidade, atendendo satisfatoriamente a todos.
Contudo, com o correr do tempo, ela foi se deteriorando, devido a insuficientes
recursos canalizados pelas administrações federal, estadual e municipal ao
importante setor.
Os
países mais desenvolvidos, na década de 50, aplicavam em gastos com assistência
à saúde cerca de 3% do PIB. Agora existem alguns deles que têm 16 % de
seus PIBs investidos em assistência à saúde. E temos que considerar
ter havido a progressiva desaceleração do crescimento populacional nesses
mesmos países. Nosso sistema de saúde possui vários paradoxos. O primeiro,
gerencial: improvisam-se gerentes para decidir em organizações complexas, do
posto de saúde aos mais altos cargos. Atualmente, o ministro da Saúde é médico,
mas nem sempre isto acontece. O segundo, organizacional: descentralização
centralizante, com o espectro do antigo INAMPS renascendo nas secretarias
estaduais ou municipais de saúde. O terceiro, econômico: carência de recursos
em paralelo a desperdícios enormes, ocasionando a existência de profissionais
desmotivados e descomprometidos. Falta de recursos materiais ou financeiros
com sérios desvios. O quarto, assistencial: resolutividade do ato médico
entendido apenas nos estágios avançados de organização da saúde. Não existe
promoção da saúde e a prevenção está reduzida praticamente à vacinação e olhe
lá. O diagnóstico e tratamento constituem a verdadeira medicina, praticada nas
enfermarias, nas UTIS e no Centro Cirúrgico. A reabilitação é desprezada.
O
Brasil aplica muito menos do que deveria, inclusive no aspecto legal, em
assistência à saúde. A nossa Constituição prescreve que a saúde, ou melhor, a
assistência médica, é dever do Estado e direito de todos, bem como a
necessidade de um eficaz saneamento básico, pois é fato conhecido de todos que
um real investido na prevenção poupa muito mais reais consumidos na medicina
curativa. E nosso diagnóstico, como economista, é assustador. O cidadão paga tributos no nível federal, estadual e
municipal para que o Setor Público cumpra sua missão. E, infelizmente,
constatamos reinar o caos na área. Há hospitais federais, estaduais e
municipais com tarefas e regiões superpostas e a população cada vez mais
abandonada.
Como
já vimos, recursos existem, se bem que insuficientes. Só em CPMF, no ano de
2006, a arrecadação foi da ordem de R$ 32 bilhões. Mas não chegam ao destino
final, sendo desviados para outras funções ou mal geridos, provocando
desperdícios ou desaparecendo nas redes de corrupção. E a população, insegura,
corre atrás de planos de medicina de grupo ou seguro-saúde, alguns se revelando
verdadeiras "arapucas" e a maior parte apenas interessada em
maximizar seus lucros e não com o juramento de Hipócrates. A maioria dos
profissionais de saúde, na área pública, é mal remunerada, apesar de sua
capacidade, enquanto uma minoria, composta de "marajás" do setor
privado, enriquece numa associação espúria, canalizando pacientes para suas
clínicas particulares, desde que os rendimentos sejam elevados e deixando os
pacientes de alto custo na rede pública, muitos dos quais associados desses
famigerados planos, sem que haja ressarcimento ao Estado dos custos do
tratamento.
A
solução passa pela clara delimitação de responsabilidades, com adequados
orçamentos, pelas três esferas de poder. No nível federal, a responsabilidade
pelo saneamento básico, pela prevenção das endemias, pela coordenação geral das
atividades médicas empreendidas pelos estados e municípios. Na esfera estadual,
o dever de manter hospitais de maior especificidade para atender aos problemas
crônicos, de maior nível de especialização, demandando internações maiores. Aos
municípios, além do reforço às funções anteriores, a responsabilidade pelo
atendimento ambulatorial, a triagem, o restabelecimento do médico de família.
Todos os profissionais bem remunerados, com treinamento adequado, recursos
compatíveis, instalações dignas e o tratamento indicado assegurado (inclusive medicamentos
e exames). Todo paciente com o direito de ser dignamente atendido, com o
ressarcimento pelos planos particulares dos tratamentos efetuados, quando o
paciente for associado a um deles. Assim, haverá recursos e todos serão
atendidos pela rede pública dignamente. Quem tiver recursos de sobra, e o
desejar, que procure os "medalhões". Na medicina não deveria haver
lugar para o mercantilismo. Quem o quiser, que abandone a nobre profissão e
abra um cassino.
Agora,
percebe-se claramente o progressivo sucateamento da rede pública, o desprezo
por seus profissionais, numa clara preparação da privatização total do setor.
Os planos particulares já possuem mais de 40 milhões de associados. Faltam-lhes
apenas os hospitais. E o planejamento dos "mercantilistas" da saúde é
justamente este. Tornar os hospitais públicos inviáveis para comprá-los a
preços vis, tornando-se assim possuidores deste vasto patrimônio, construído
com recursos de toda a população que, como sempre, será esbulhada.
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