APATIA GENERALIZADA

Prof. Marcos Coimbra

Membro do Centro Brasileiro de Estudos Estratégicos (CEBRES), Professor aposentado de Economia na UERJ e Conselheiro da ESG.

Artigo publicado em 25.10.2007 no Monitor Mercantil.

 

O cidadão que vive na cidade do Rio de Janeiro está estupefato. No plano federal, presencia a ação de uma administração que, após ser eleita com a promessa de fazer o oposto do realizado por FHC, dá continuidade, em grande parte, ao desastre implantado pela administração anterior. A nova administração procura empurrar pela goela abaixo da população as reformas preconizadas pelos “donos do mundo” e ainda não aprovadas, a começar pela previdenciária, capaz de provocar danos irreparáveis à classe trabalhadora. Nenhuma reforma será concretizada, no presente momento, em favor dos trabalhadores. Infelizmente, esta é a verdade, sonegada pela mídia amestrada, a serviço permanente do sistema financeiro internacional e de seus agentes.

A novidade foi o agrupamento em um só programa, denominado Bolsa Família ou Bolsa Esmola, das principais iniciativas anteriores. Os escândalos ocorrem rotineiramente. Agora, a imprensa divulga amostragem realizada pela Controladoria Geral da União (CGU) colocando sob suspeição o Programa Nacional de Alfabetização de Jovens e Adultos, uma das meninas dos olhos da administração Lula, enviando à CPI das ONGs relatório onde constam  suspeitas de fraude na prestação de contas repassada ao governo por uma das principais executoras do programa, a Associação Alfabetização Solidária (Alfasol). Criada há 11 anos pela ex-primeira dama Ruth Cardoso, ela teria sido beneficiada com um total de R$ 71,4 milhões repassados pelo governo federal para o programa em Brasília, dos quais R$ 15,1milhões liberados pela administração Lula. Apurou-se que o ministério da Educação não exige prestação de contas, não possuindo qualquer controle sobre a aplicação dos recursos que repassa à ONG. De 11 endereços visitados, nove não existem (turmas são fantasmas). Naquelas onde havia aula, a média de alunos era de três a quatro, em turmas que, segundo a ONG, teriam 21 estudantes. E as informações fantasiosas entram nas estatísticas governamentais sobre o número de alfabetizados. Imaginem o que não acontece nos demais programas.

         A antiga contribuição provisória sobre movimentação financeira (CPMF) deverá passar a ser permanente, com a mesma alíquota, pelo menos até 2011. O chamado superávit primário continua subtraindo recursos do social, inclusive, para sobrar mais recursos para o pagamento de juros. A taxa SELIC é mantida em 11,25 % ao ano, sem justificativa técnica consistente. A verdadeira razão é remunerar os detentores do capital. A adoção das medidas impostas pelos “donos do mundo” agrava a miséria, o desemprego, a exclusão social, a concentração de renda. Não há programa assistencialista, clientelista ou eleitoral capaz de anular os efeitos maléficos da implantação desta política perversa. É preciso, sim, gerar empregos de qualidade. O setor financeiro, com especial destaque para os Bancos, continua a explorar os cidadãos, auferindo lucros cada vez maiores. A população paga tarifas e juros crescentes, sofrendo horas em filas, enquanto os servidores do sistema financeiro vão sendo progressivamente demitidos, dando lugar a máquinas.

Na esfera estadual, o triste espetáculo de uma administração incapaz de cumprir com seus compromissos, a começar pelo atendimento às necessidades básicas do cidadão. A saúde pública é uma vergonha. O atendimento propiciado ao cidadão que recorre ao Estado é degradante. Os profissionais são mal remunerados, não possuindo sequer o material mínimo necessário para cumprir sua função. Hospitais públicos são infectados por toda sorte de bactérias e sujeiras. Os diretores nomeados circulam ostensivamente acompanhados de seguranças armados, sem uniforme, intimidando os profissionais da área. A alimentação é intragável. A educação pública é outro desastre. A falta de qualidade leva o cidadão a procurar o ensino particular, cada vez mais caro. A segurança pública não consegue enfrentar com sucesso o crescente poder do crime organizado, bem como do desorganizado.  Vale a Lei de Murici: cada um por si. Novos problemas arrastam-se sem solução.  Acusações são trocadas entre as administrações e os óbices continuam. A administração atual está inerte, sem saber o que fazer. O governador adora viajar e, no momento, está na Europa, acompanhando o processo de indicação pela FIFA do Brasil como sede do mundial de 2014. Como se não tivesse o que fazer aqui.

No plano municipal, o prefeito acumula recursos, porque só arrecada e nada faz. A cidade permanece abandonada. As construções irregulares prosperam sem controle. A população de e na rua invade todos os locais. As ruas estão esburacadas e sujas. Nenhuma iniciativa nova é implementada e as antigas não são retomadas. O desmoronamento que provocou o fechamento do Túnel Rebouças agrava o caos no trânsito da cidade. As soluções apresentadas pelo secretário de transportes pioram a situação ao invés de minimizar os danos. No domingo, quando as pistas do Aterro e avenidas da orla deveriam ter sido liberadas para o trânsito normal de veículos, para minorar a bagunça existente, são mantidas interditadas para diversão de algumas pessoas, enquanto milhares de cidadãos sofrem nos engarrafamentos. Os proprietários de veículos devem pagar pelo fato de usarem seus veículos, segundo uma infeliz declaração das autoridades. Até a inaceitável idéia do fracassado sistema de rodízio de automóveis é apresentada como alternativa emergencial. Falta competência e trabalho.

O cidadão paga quase 40% do PIB em carga tributária e o retorno é pífio. É necessária a reversão deste danoso processo, com a adoção de um modelo diametralmente oposto ao atual. A resistência deve começar a atuar no âmbito individual e no plano coletivo, sob pena de, em pouco tempo, os danos serem irreversíveis. O cidadão precisa reagir e protestar contra o atual estado de coisas, abandonando o estado de apatia atual, para lutar pelos seus direitos. Caso contrário, será cada vez mais explorado e humilhado pelos três níveis de administração, deixando um triste legado para seus descendentes.

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