Artigo publicado em
19.07.2001 no Monitor Mercantil.
Prof. Marcos Coimbra
Professor Titular de
Economia na Universidade Candido Mendes, Professor na UERJ e Conselheiro da ESG
A nossa vizinha Argentina está em sérias dificuldades
econômico-financeiras. Resolveu seguir rigidamente o receituário neoliberal e
colhe os amargos resultados da aventura empreendida, principalmente na
administração Menem. O patrimônio nacional do outrora rico país foi dilapidado.
Hoje, de significativo, só restou o Banco de La Nación. E a dívida continuou a
crescer. E a situação a piorar. A pobreza aumenta. A miséria campeia. Com o
regime cambial fixo a economia encontra-se engessada. E a solução foi recorrer
justamente ao FMI. É chamar a raposa para tomar conta do galinheiro. O
megaespeculador George Soros já está agindo por lá, especulando forte, trocando
“papel-pintado” por propriedades. Assumiu o poder, de fato, o ministro Domingo Cavallo, o qual concorreu
à presidência da República, tendo obtido modesta votação, ficando no 4º lugar.
O atual presidente perdeu inteiramente o controle da situação e assume o papel
de Rainha da Inglaterra.
O único país com o qual a Argentina está obtendo superávit
na balança comercial é justamente com o Brasil, algo superior a US$ 500 milhões
até o presente momento, no corrente ano e as autoridades e empresários
argentinos continuam a pressionar violentamente a administração brasileira para
conseguir obter resultados mais expressivos, fato difícil em virtude da perda
de competitividade das mercadorias
argentinas, em função da moeda do país irmão estar sobrevalorizada. As
exportações para o Brasil são predominantemente de bens primários, como trigo,
petróleo, enquanto que compram de nós mercadorias de maior valor agregado. Toda
vez que o ministro Cavallo viaja para o Brasil solicita mais ajuda. A cada dia
é mais uma decisão tomada pela administração argentina que prejudica os
interesses dos empresários brasileiros e, conseqüentemente, ao Brasil. Até o
Uruguai e o Paraguai começam a adotar medidas protecionistas contra o Brasil. O
Paraguai acaba de impor uma tarifa aduaneira de 10% sobre as importações provenientes do Brasil. Isto não é obra do
acaso. São os "donos do mundo", agindo para implodir o MERCOSUL para facilitar a imposição da ALCA.
Na expressão política, o presidente eleito é detentor de um
índice de impopularidade de fazer inveja a FHC. Seu vice renunciou e ele
sobrevive ainda porque não interessa
aos “donos do mundo” tirar-lhe o poder, no momento, como fizeram ao presidente
Fujimori. A acusação pode ser qualquer uma. Não faltarão motivos. O sistema financeiro
internacional mantém todos os seus colaboradores a sua mercê, pois podem sacá-los do poder a qualquer momento.
Afinal, quem faz aliança com o diabo, sabe que tem de vender sua alma. O
partido justicialista ainda se refaz da “onda entreguista” representada pela
administração Menem, procurando novos líderes. Até o ex-presidente Alfonsín,
que antes falava em moratória, rende-se ao capital transnacional, não tivesse
sido ele um dos membros do Diálogo Interamericano.
Na expressão psicossocial, o antes orgulhoso povo argentino
padece de angústias nunca imaginadas. Dezenas de crianças morrem de fome
diariamente. A previdência pública está
destroçada. A|gora o ministro Cavallo desfecha o golpe de misericórdia. A
educação pública cai de qualidade. A saúde pública está sendo destruída. O
desemprego atinge a mais de 16% da população economicamente ativa. A classe
média está sendo dizimada. Existem agora apenas os ricos e os pobres. A
insegurança aumenta.
Na expressão militar, as antes bem equipadas e respeitadas
forças armadas argentinas são um triste arremedo do que foram. Os recursos a elas destinados minguam a cada ano. Seu
efetivo foi diminuído. Não há lideranças expressivas. O cel. Seineldin continua aprisionado e o cel. Aldo Rico foi cooptado
pelo sistema. Foram enfraquecidas de propósito para não serem capazes de
cumprir sua missão.
Preocupa-nos muito tal situação vivenciada pela Argentina,
pois caso a crise se agrave, além dos reflexos diretos e indiretos que
provocará em nossa economia, ferirá mortalmente o MERCOSUL, projeto acalentado
por nós, objetivando integrar os demais países da América do Sul, para tentar
conseguir uma inserção soberana na economia internacional, a exemplo da China e
da Índia. Já perdemos o Chile para a ALCA. O México, sob a nova presidência,
aproximar-se-á cada vez mais dos EUA, na ALCA. Uma administração Toledo no Peru
também tenderá para a ALCA, não fosse o próprio egresso de Harvard.
Comparando a
situação da Argentina com a nossa, encontramos muitas semelhanças, todas
fruto da adoção do receituário neoliberal. Apenas eles foram mais radicais,
atrelando a moeda nacional ao dólar e
adotando o regime cambial fixo. No Brasil, ainda temos tempo de parar de
entregar o patrimônio nacional, diminuir a taxa de juros, aprendendo com a
lição argentina. A elevação da cotação do dólar no país está sendo usada como
pretexto para aumento da taxa de juros, fazendo a alegria dos banqueiros. Caso
continuemos a privatização selvagem, amanhã estaremos na mesma situação deles.
Despojados de patrimônio, cada vez mais endividados e dependentes, sem
perspectivas, sem esperanças..
Correio eletrônico : mcoimbra@antares.com.br
Site : www.brasilsoberano.com.br