PROBLEMAS INCONCEBÍVEIS

Artigo publicado em 11.12.14-MM

Economista Marcos Coimbra

Professor, Membro do Conselho Diretor do CEBRES, Titular da Academia Brasileira de Defesa e Autor do livro Brasil Soberano.

Nosso sistema de saúde possui vários paradoxos. O primeiro, gerencial: improvisam-se gerentes para decidir em organizações complexas, do posto de saúde ao ministério da Saúde. O segundo, organizacional: descentralização centralizante, com o espectro do antigo INAMPS renascendo nas secretarias estaduais ou municipais de saúde. O terceiro, econômico: carência de recursos em paralelo a enormes desperdícios. Falta de pessoal, com profissionais desmotivados, descomprometidos. Falta de recursos materiais ou financeiros com desvios e desperdícios. O quarto, assistencial: resolutividade do ato médico entendido apenas nos estágios avançados de organização da saúde. Não existe promoção da saúde e a prevenção está reduzida à vacinação. O diagnóstico e tratamento constituem a verdadeira medicina, praticada nas enfermarias, nas UTIs e no Centro Cirúrgico. A reabilitação é desprezada. Investe-se pouco no setor, sobretudo quando se considera que as despesas privadas com saúde, superam as públicas.

A nossa Constituição prescreve que a saúde, ou melhor, a assistência médica, é dever do Estado e direito de todos, bem como a necessidade de um eficaz saneamento básico, pois é fato conhecido de todos que um real investido na prevenção poupa cerca de cinco reais consumidos na medicina curativa. E nosso diagnóstico, como economista, é assustador. O cidadão paga tributos a nível federal, estadual e municipal para que o Setor Público cumpra sua missão. E, infelizmente, constatamos reinar o caos na área. Há hospitais federais, estaduais e municipais com tarefas e regiões superpostas. Recursos existem, se bem que insuficientes. Os países mais desenvolvidos aplicam em gastos com assistência à saúde em torno de 16 % de seu PIB. Dos R$ 47,3 bilhões gastos com investimentos pela Administração Federal brasileira em 2013, o Ministério da Saúde foi responsável por apenas 8,2% dessa quantia, segundo levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM). Em 13 anos, R$ 47 bilhões deixaram de ser investidos. Dados apurados pelo CFM mostram ainda que, nos últimos 13 anos (2001 a 2013), de cada R$ 10 previstos para a melhoria da infraestrutura em saúde, R$ 6 deixaram de ser aplicados. E não chegam ao destino final, sendo desviados para outras funções ou mal geridos, provocando desperdícios ou desviados nas redes de corrupção.

 E a população, insegura, corre atrás de planos de medicina de grupo ou seguro-saúde, alguns se revelando verdadeiras "arapucas" e a maior parte apenas interessada em maximizar seus lucros. Como exemplo ilustrativo, vamos analisar a tabela de ressarcimento de gastos com cirurgias urológicas, com preço cheio, inclusive impostos: R$ 160,00 –fimose; próstata benigna – R$ 575,00; Radical de próstata  (maligno) – R$ 1.500.00, com internação; retirada do rim – R$565,00. Assim, duas consultas (cada uma 80,00) valem uma fimose. A instrumentadora ganha 10% do cirurgião, o que nem paga o estacionamento.  Como um médico pode exercer seu nobre ofício, com enorme responsabilidade?

A maioria dos profissionais de saúde, na área pública, é mal remunerada, apesar de sua capacidade, enquanto uma minoria, composta de "marajás" do setor privado, enriquece numa associação espúria, canalizando pacientes para suas clínicas particulares, desde que os rendimentos sejam elevados e deixando o paciente de alto custo na rede pública, muitos dos quais associados destes famigerados planos, sem que haja ressarcimento ao Estado dos custos do tratamento.

A solução passa pela clara delimitação de responsabilidades, com adequados orçamentos, pelas três esferas de poder. No plano federal, a responsabilidade pelo saneamento básico, pela prevenção das endemias, pela coordenação geral das atividades médicas empreendidas pelos estados e municípios. Na esfera estadual, o dever de manter hospitais de maior especificidade para atender aos problemas crônicos, de maior nível de especialização, demandando internações maiores. Aos municípios, além do reforço às funções anteriores, a responsabilidade pelo atendimento ambulatorial, a triagem, o restabelecimento do médico de família. Todos os profissionais bem remunerados, com treinamento adequado, recursos compatíveis, instalações dignas e o tratamento indicado assegurado (inclusive medicamentos e exames). Todo paciente com o direito de ser dignamente atendido, com o ressarcimento pelos planos particulares dos tratamentos efetuados, quando o paciente for associado a um deles. Agora, percebe-se claramente o progressivo sucateamento da rede pública, o desprezo por seus profissionais, numa clara preparação da privatização total do setor. Os planos particulares já possuem mais de 47 milhões de associados, de acordo com dados de 2012. Faltam-lhes apenas os hospitais. E o planejamento dos "mercantilistas" da saúde é justamente este. Tornar os hospitais públicos inviáveis para comprá-los a preços vis, tornando-se assim possuidores deste vasto patrimônio, construído com recursos de toda a população que, como sempre, será esbulhada. Ou então, retirando os profissionais concursados e realizando contratos com “cooperativas” (fundações), procedimento típico no Rio de Janeiro. Não é por acaso que morrem muitos pacientes por dia por falta de CTI no Estado do Rio.

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